O pedido de condenação à prática de Ato administrativo devido – art. 69º CPTA.



O pedido de condenação à prática de Ato administrativo devido – em concreto, o pressuposto do prazo, art. 69º CPTA.
 Metamorfose do artigo ao longo das reformas do CPTA

Em modo introdutório, cabe referir que a inserção no Ordenamento Jurídico português da ação de condenação da Administração à prática de ato administrativo devido, em 2002, constitui uma das principais mudanças na lógica do Contencioso Administrativo. Isto porque, anteriormente o único meio efetivo de luta contra a atuação da Administração era o recurso contencioso de anulação. Com efeito, os Tribunais podiam somente anular atos e ficava vedado quaisquer ordens às entidades administrativas. A evolução e transformação que foi surgindo, ao nível das relações particulares-Administração. revelou a necessidade de os Tribunais poderem condenar a Administração[1]. Esta ação administrativa traduz-se na materialização do princípio da plena jurisdição dos tribunais administrativos que o CPTA veio, em definitivo, consagrar, conferindo-lhes todos os poderes que são próprios e naturais da função jurisdicional.

Sucintamente, esta ação administrativa, tem como alvo casos em que se pretende a condenação à prática de atos administrativos devidos, como refere o 37º/1, b) CPTA. Atos esses que a administração se encontra obrigada a praticar seja por estar vinculada à lei, à constituição, princípios ou pela celebração de um contrato. De notar que, o objeto da ação é a pretensão do interessado, assim, o ato administrativo deixa de ter o “papel principal” e passa a ser a pretensão do interessado que se reconduz no pedido de efetivação/reconhecimento de direito subjetivo.



Análise do art. 69º CPTA - alterações introduzidas em 2015 e em 2019:

O artigo 69º do CPTA na versão de 2002[2] apresentava diversas lacunas de regulação, na medida em que não esclarecia aspetos importantes como: qual o prazo aplicável às recusas de apreciação (a doutrina tendia aplicar o prazo de três meses analogicamente); qual o prazo aplicável a ações intentadas pelo Ministério Publico contra a ato de indeferimento expresso ( 3 meses como constava do art. 69º/2, ou um ano, por analogia com o art. 58º/ 2, a) CPTA) em matéria de impugnação; qual é o prazo aplicável no caso de atos expressos nulos ( Mário A. De Almeida considerava que não havia prazo pela analogia com o art. 58º/1 CPTA).

A reforma de 2015[3] alterou profundamente o art. 69º CPTA com o objetivo de suprimir as lacunas acima referidas:
§  O nº1 manteve o prazo de caducidade do direito da ação (de notar que não é um prazo de impugnação pois não existe ato a impugnar), de um 1 ano para os casos de omissão administrativa. Este prazo deve ser contado desde o termo legal dentro do qual a Administração deveria ter respondido ao requerimento (naturalmente que, uma vez expirado este prazo, o interessado pode apresentar novo requerimento com o mesmo pedido e fundamentos, pois não houve anteriormente nenhuma decisão por parte da Administração);
§  O nº2 para além do indeferimento da administração abrange agora os casos em que houve a recusa de apreciação do requerimento e de substituição de ato com conteúdo positivo. Estabelece ainda um prazo de 3 meses, sendo aplicável à contagem desse prazo o disposto do art. 58º/3, 59º e 60º CPTA;
§  O nº3, foi introduzido, sendo por isso uma inovação do artigo. Prevê que, quando nos casos previstos no número anterior, esteja em causa um ato nulo, o pedido de condenação à prática do ato devido pode ser deduzido no prazo de dois anos, contado da data da notificação do ato de indeferimento, do ato de recusa de apreciação do requerimento ou do ato de conteúdo positivo que o interessado pretende ver substituído por outro, sem prejuízo, neste último caso, da possibilidade, em alternativa, da impugnação do ato de conteúdo positivo sem dependência de prazo.

Embora esta revisão tenha sido positiva, a verdade que não se verificou um preenchimento total das lacunas. De acordo com alguma doutrina, ainda havia lacunas e incoerência nas soluções apresentadas nos preceitos do artigo.

Em primeiro lugar, os Professores, Mário Aroso de Almeida e Vieira de Andrade, afirmam que da remissão do art 69º/2 CPTA, apenas para o nº3 do art.58º CPTA resulta de uma evidente lacuna quanto à definição do modo pelo qual se deve proceder à contagem do prazo. No entanto, consideram que essa lacuna não pode deixar de ser preenchida, atenta a evidente analogia existente entre os preceitos dos arts. 69º/2, e 58º/1, b), através da aplicação também ao prazo do art. 69º/2 CPTA, do regime para o qual remete o art. 58º/2 CPTA, em matéria de impugnação dos atos administrativos.

 Em segundo lugar, Alexandra Leitão aponta a crítica, de que o legislador na revisão de 2015, não esclareceu qual o prazo aplicável ao Ministério Publico quando se pretenda intentar uma ação de condenação na sequência de atos expressos anuláveis. O art. 69º/2 estabelece os tais 3 meses como prazo, num paralelismo claro com a impugnação, mas nesta última, o Ministério Publico tem um ano para impugnar atos anuláveis, nos termos do art. 58º/1 a). A ausência de remissão para este preceito significa que, no caso de condenação, o Ministério Publico só dispõe de três meses?[4]
 Decerto que, inspirada nestas críticas, a Lei nº118/2019[5] alterou o preceito, e eliminou a referência expressa do prazo de 3 meses. Para além disso, abrangeu o art. 58º CPTA no seu todo como disposição aplicável. Esta solução de fazer uma remissão direta para o art. 58º CPTA em detrimento da anterior remissão somente para o nº3, acaba com a lacuna detetada pelos Professores, Mário Aroso de Almeida e Vieira de Andrade, bem como com as dúvidas colocadas por Alexandra Leitão.

Relativamente à introdução do nº3, na revisão de 2015 - que surgiu para colmatar a lacuna do prazo aplicável no caso de atos expressos nulos - não foi uma solução adequada para alguma doutrina. Na medida em que, há quem considere que existe uma dupla incoerência: prazos diferentes para a impugnação e para a condenação, apesar de esta acarretar necessariamente a eliminação do ato; e também prazos diferentes para ato de indeferimento puro e para atos positivos, uma vez que os primeiros não podem ser objeto de impugnação. Assim perante isto, das duas uma: ou permite-se a cumulação de condenação com esta impugnação e, então, obtém-se o mesmo resultado que se obteria com a condenação, mesmo tendo já sido ultrapassados os dois anos – e a solução é incoerente -, ou proíbe-se, neste caso, a cumulação e isso traduz-se numa redução da tutela judicial efetiva do particular face ao CPTA 2002 ( que permitia a cumulação do pedido condenatório com a impugnação de atos nulos sem sujeição a prazo)[6]
O nº3 não perdurou muito tempo, pois a Lei nº118/2019 decidiu revogar todo o preceito. Esta solução foi de facto a mais adequada tento em conta a gravidade das incoerências que Alexandra Leitão apontou.

Em suma, creio que o CPTA está em constante adaptação à evolução e realidade Administrativa, por esse motivo as revisões acarretam mudanças significativas no ordenamento jurídico. No que diz respeito ao artigo 69º CPTA, face a tudo o que mencionei neste texto, é de notar que o legislador teve um papel de reparar e esclarecer incoerências que até à Lei nº118/2019 existiam.



Bibliografia:
- ANDRADE, José Vieira de, A justiça Administrativa, 15ª edição, Coimbra, 2016.
- ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, 3ª edição, Almedina, 2017
- SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanalise, 2ªedição, Almedina, 2009 
-Artigo de Alexandra Leitão, in, Comentários à revisão do CPTA e do ETAF, 2ª edição, AAFDL editora, 2016



Jurisprudência consultada:
- Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul – Processo nº 04611/08; Data: 05-11-2009, http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/0efd241845351a248025766d003e4fdc
- Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul – processo nº 05707/09: Data: 09-10-2014, http://www.gde.mj.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/1625b6f625f3ec5d80257d7900304ac0
-Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul - Processo nº 849/14.7BESNT; Data: 22-06-2017,http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/1f4c9ffcacb0a72c80258153004d72a8



Joana Vieira Nº 28545


           


[1] Concretização do artigo 268º/ 4 CRP – Princípio condutor do contencioso Administrativo.
[2] Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro
[3] DL n.º 214-G/2015, de 02 de outubro
[4] Alexandra leitão, Comentários à revisão do ETAF e CPTA, cit, pág. 419
[5] Lei n.º 118/2019, 17 de setembro, que introduziu alterações no Código de Processo nos Tribunais Administrativos
[6] Alexandra Leitão, Cometários à revisão do ETAF e CPTA, cit, págs. 418 e 419

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