Entre os vários pressupostos processuais, importa atender à legitimidade processual como ponto de partida para a análise do tema em questão. Trata-se, então, da “titularidade de um direito ou interesse legalmente protegido”. Como refere o Professor Vieira de Andrade, a decisão do tribunal só é legítima e só tem utilidade se as entidades ou pessoas inseridas na relação controvertida a que o litígio se refere estiverem presentes. Desta forma, faz-se a ponte para o conceito de interesse processual. Utilidade, neste sentido, diz respeito à utilidade da procedência do pedido na medida em que se exige um interesse atual e real. Pode dizer-se que o interesse processual complementa a legitimidade ativa na medida em que é insuficiente a simples titularidade de um direito ou interesse para fundamentar recorrer-se aos tribunais.
Assim sendo, uma ação não seria apreciada pelo tribunal na ausência de interesse processual, mesmo que o autor demonstrasse ser titular da concreta posição jurídica que justificaria a procedência na ação.
Trata-se, então, de saber se há necessidade efetiva de tutela judiciária. Exige-se a demonstração da necessidade de recorrer à tutela judicial, sendo irrelevante verificar-se as condições da procedẽncia da ação.
No artigo 39º CPTA, encontramos uma presença explícita do interesse processual, embora se trate de um exemplo tímido na medida em que não está consagrado como um pressuposto processual geral do Contencioso Administrativo (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 28/9/2018, Proc. nº02790/15.7BELSB). Por outro lado, no artigo 55º/1 alínea a) CPTA verifica-se apenas implicitamente a presença deste pressuposto, pois o preceito prevê um interesse pessoal e direto no resultado.
Para melhor compreender o conceito de interesse processual, analisemos dois planos distintos: objetivo e subjetivo. No primeiro, determina-se uma efetiva lesão de um direito ou interesse legítimo. No segundo plano, exige-se uma vontade de reagir, isto é, vontade de recorrer ao processo.
Consequentemente, a falta de verificação deste pressuposto por parte do autor, numa ação de simples apreciação, obsta à apreciação do mérito da causa, que por sua vez conduz à absolvição do réu da instância.
O Professor Vieira de Andrade admite a autonomia deste pressuposto nos casos em que o interesse processual complemente a titularidade de uma posição jurídica ou o critério legal substitutivo de atribuição da legitimidade.
A este propósito, o Cons. Dimas Lacerda, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/4/1994 (Proc. nº33395), entendeu que não há autonomia no Contencioso Administrativo do interesse em agir, pelo facto de também não haver em Processo Civil, estando o conceito inserido no artigo 30º CPC.
Paralelamente, ao analisarmos o artigo 56º CPTA, verificamos que o interesse processual e a aceitação do ato estão interligados. Concretizando, a partir do momento em que o particular aceita o ato administrativo, perde o interesse processual no que diz respeito à impugnação desse mesmo ato. Mas, no decorrer do prazo para a impugnação, o particular tem a faculdade de revogar a prévia aceitação e voltar a possuir interesse processual.
Em suma, apesar de o legislador não ter separado efetivamente a legitimidade do interesse processual, entendo que essa separação deve existir. O principal objetivo deste pressuposto será evitar que o tribunal aprecie ações que não apresentem qualquer utilidade ou benefício para o autor. Desta forma, evita-se a sobrecarga dos tribunais com ações inúteis. Com este mecanismo de limitação, verifica-se a autonomia do interesse processual como pressuposto na medida em que determina a necessidade da propositura de uma ação com base na existência ou não de utilidade, isto é, com base no proveito ou no prejuízo que o deferimento da pretensão proporciona ou evita.
Assim, a autonomização do interesse processual afigura-se não só como útil, mas também como necessária, principalmente nos casos em que a titularidade de um direito (legitimidade processual) não é suficiente para utilizar a “arma judiciária” (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 29/1 /2015).
Bibliografia:
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2016, 2ª edição
JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, 2015, 14ª edição
JOSÉ DUARTE COIMBRA, A «legitimidade» do Interesse na Legitimidade Activa de Particulares para impugnação de actos administrativos, disponível em: https://www.icjp.pt/sites/default/files/papers/jose_duarte_coimbra_-_a_legitimidade_do_interesse_na_legitimidade_de_particulares_para_a_impugnacao_de_actos_administrativos.pdf
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/12E5FC011C58C62180257DF10043BFD8
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/d9d33a59c4974141802583a7004ed080?OpenDocument
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/69dc8cd97b8eb5e980257689003c5b8f?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1
Matilde Correia de Sá
4º Ano, subturma 7, nº 56739
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