A verticalidade necessária para as atuações materiais - 4º/1-i) ETAF - João T. Pimenta

Alavancando-se a seguinte exposição no artigo 4º número 1 alínea i) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, irá ser analisado o seu alcance e, em vertente jurisprudencial, a sua concretização.

Refere o Professor Vasco Pereira da Silva que a realidade da atuação administrativa, ao longo dos anos, foi mudando, tendo assumido formas públicas e privadas. Deste modo, era preciso enquadrar no Contencioso Administrativo toda esta nova realidade, sendo que o ato administrativo é apenas uma das várias manifestações da Administração, mas que não esgota o universo de atuação administrativa. Por esse motivo, o artigo 4º do ETAF concretiza vários critérios de modo a englobar os numerosos moldes de atuação administrativa.

O ponto de partida pauta-se com o artigo 212º/3 da Constituição (CRP) que representa a atribuição da jurisdição referente a litígios emergentes das relações jurídico-administrativas aos tribunais administrativos. Conquanto, não se pense que a jurisdição atribuída aos tribunais administrativos é materialmente exclusiva. A doutrina e jurisprudência sufragam o entendimento de que o artigo não encerra uma reserva material absoluta, isto é, não são unicamente permitidos aos tribunais administrativos e fiscais dirimir conflitos de direito administrativo e fiscal, podendo existir desvios, por exemplo, para os tribunais judiciais, desde que esse desvio seja justificado. A ideia central prende-se com a possibilidade de existirem outros tribunais, sem serem, exclusivamente, os tribunais administrativos, a resolverem litígios jurídico-administrativos (acórdão do Tribunal Constitucional nº 211/2007).

Nesta medida, e tendo sido desenvolvido um Estatuto próprio dos tribunais administrativos e fiscais, é para lá que se terá de remeter, nomeadamente, para o seu artigo 1º e 4º (adiante determinado por ETAF) e, desde já, resulta do acórdão do Tribunal dos Conflitos, com o processo nº 011/17, que o artigo 4º abriga uma lista exemplificativa de litígios sujeitos à jurisdição administrativa. Conclui que compete à jurisdição administrativa quaisquer litígios que emerjam de relações jurídicas administrativas, ou seja, “(…) todos os litígios regulados por normas jurídicas administrativas e originados no âmbito da administração pública globalmente considerada (…)”.

Entendimento geral è Pode afirmar-se que a expressão “via de facto” considerada na alínea i) do artigo 4º/1, consubstancia-se numa atuação material da Administração sem base legal, ou seja, numa atuação material não legitimada por prévio ato administrativo (artigo 148º Código do Procedimento Administrativo) que a fundamente. Sendo que, neste sentido, o ato administrativo é inexistente, a ação a ser intentada deverá ser de declaração de inexistência que se exprime através de um processo declarativo ou de simples apreciação e NÃO de impugnação de atos administrativos (que apenas contempla a anulação e a declaração de nulidade).

Assim, o artigo 4º/1-i) atribui competência aos tribunais administrativos, tendo em conta a natureza administrativa dos litígios que têm por objeto pretensões de restituição e restabelecimento de situações enquadradas no exercício do poder administrativo (Professor Mário Aroso de Almeida). Este entendimento parece ser seguido no acórdão analisado no parágrafo anterior, no qual é notória a essencialidade de averiguar como está formulado o pedido e a causa de pedir para concluir se estamos perante uma ação de reivindicação (1311º CC), ou se se pretende uma remoção de atuações ilegais (por não ter fundamento num ato administrativo).

Ainda, neste sentido, cabe identificar o artigo 2º/2 CPTA que define o seguinte: a todo o direito ou interesse legalmente protegido deve corresponder uma tutela junto dos tribunais administrativos expondo, de seguida, uma lista de diversas situações que têm a tutela adequada. A alínea que mais nos interessa, atendendo ao presente conteúdo, é a alínea i). Perante o disposto nesta alínea, o raciocínio é que, face a uma atuação material desprovida de ato administrativo que a legitime, e depois da sua declaração de inexistência, deve haver um restabelecimento da situação existente antes da prática da atuação administrativa.

Determinando o artigo 2º/2 CPTA a existência de tutela adequada junto dos tribunais administrativos para diversas situações, fixa o artigo 37º/1-i) CPTA que segue a forma processual de ação administrativa a condenação da Administração à adoção de condutas necessárias para restabelecer a situação de facto existente antes da atuação material da Administração.

Em função do já disposto nesta exposição, o acórdão do Tribunal dos Conflitos, processo nº 048/18, determina que, por força da jurisdição não exclusiva (entendimento relativo ao artigo 212º/3 CRP), podem os tribunais judiciais “(…) decidir as ações de reivindicação de imóveis (…), ainda que o Réu seja uma entidade pública (…)”.
Neste acórdão foi discutida a questão de saber se os tribunais administrativos podiam dirimir conflitos relativos a ações reais. Trouxeram à discussão o artigo 9º CC, e a interpretação feita foi no sentido de a norma (4º/1-i) “(..)atribuir competência aos tribunais administrativos para as ações em que apenas está em causa a remoção de atuações ilegais(..)”, não sendo analisada a questão de reconhecer o direito de propriedade, visto que esta discussão caberá aos tribunais de jurisdição comum.

Nesta última ideia, é propositado trazer à colação que a competência em razão da matéria é determinada pelo modo como está desenvolvido o pedido e a causa de pedir. No seguimento, cabe fazer distinção entre a ação de reivindicação da propriedade (tribunais judiciais) e a remoção de situações constituídas em via de facto, sem título que as legitime, reconstituindo a situação anterior à atuação material. No acórdão em discussão, o pedido e a causa de pedir estariam direcionados para obter o reconhecimento do direito de propriedade, daí a conclusão do Tribunal.

Por fim, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo nº 2476/17.8TBBCL.G1, conclui que a competência para julgar os conflitos relativos à ocupação de uma parcela de um prédio de particulares por uma Empresa Pública, sem proceder à respetiva expropriação, rectius, sem existir título que a legitime, se encontra atribuída aos tribunais administrativos. Esta conclusão reflete que, caso o autor pretendesse o reconhecimento da sua propriedade, os tribunais competentes seriam os tribunais comuns, enquanto que, por outro lado, pretendendo o autor a reconstituição da situação anterior, serão competentes os tribunais administrativos à luz dos artigos 212º/3 CRP + 1º/1 ETAF + 4º/1-i) ETAF + 2º/2-i) CPTA + 37º/1-i) CPTA.

Nota: na possibilidade de algum colega ter alguma dúvida ou observação relativa à minha publicação, estarei disponível para a receber.

João Timóteo Pimenta
Aluno nº 24306




Fontes de informação:






Manual de Processo Administrativo 2007 * 3ª Edição * Reimpressão - Mário Aroso de Almeida.

Aulas teóricas lecionadas pelo Professor Vasco Pereira da Silva.

Aulas práticas lecionadas pelo Professor Tiago Serrão.

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