No contencioso
administrativo o juiz encontra-se sujeito a um princípio de limitação pela
causa de pedir. Este é um aspeto nitidamente objetivista do modelo legal se o colocarmos
em contraposição com a faculdade que o Ministério Público mantém, de invocar vícios
que não tenham sido arguidos pelo autor na sua petição.
O cumprimento
deste preceito pode gerar algumas dificuldades práticas e algumas preocupações
sistémicas relativamente ao papel do juiz, que assim deixaria a sua posição super
partes e poderia tornar-se num fiscal oficioso da legalidade
administrativa, poder do juiz esse que, deve ser interpretado em termos
restritivos.
No regime
anterior o conhecimento oficioso do juiz estava limitado às nulidades dos atos
e das normas aplicadas, mas, há hoje um entendimento de que este deve, porém,
ser autorrestringido a causas de invalidade que afetem direitos fundamentais ou
interesses públicos ou comunitários de relevo, à semelhança do que acontece com
as causas de conhecimento oficioso do Ministério Público. Sobre o alcance deste
preceito e sustentando que “só existe o dever de o juiz identificar as
causas de invalidade geradoras de anulação e não alegadas pelas partes se do
processo constarem [no momento da decisão] todos os factos necessários para o
respetivo julgamento”, manifestou-se o juiz no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo.[1]
O busílis da
questão a resolver no processo é, nos termos da lei, a da ilegitimidade
jurídica do ato impugnado, e não necessariamente a da lesão de um direito
substantivo do particular, que pode até nem existir no caso.
No CPTA está
estabelecida a regra de que o tribunal “deve decidir todas as questões que as
partes tenham submetido à sua apreciação”, sendo que estabelece ainda que “não
pode ocupar-se senão das questões suscitadas” – artigo 95º/1 – regra que
consagra um princípio geral de contraditório no contencioso administrativo,
ainda que, aglomerado com uma consagração de poderes inquisitórios do juiz
relativamente às questões cujo conhecimento oficioso a lei “permita ou imponha”,
nomeadamente no caso das questões relativas ao âmbito da jurisdição
administrativa e à competência dos tribunais administrativos.
Coloca-se
agora a questão de saber se este princípio geral é, ou não, posto em causa pelo
estatuído no nº3 do artigo 95º, que parece estabelecer uma norma especial para
os processos impugnatórios de atos administrativos.
Para melhor
entender, o melhor é dividirmos a norma em apreço em duas partes distintas. Na
primeira parte, estabelece-se que “o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as
causas invocadas contra o ato impugnado, exceto quando não possa dispor dos
elementos indispensáveis para o efeito”, podendo-se retirar como objetivo desta
norma que o julgador aprecie a integralidade dos direitos alegados pelo autor,
procurando evitar que o juiz deixe de ficar com o total conhecimento das
ilegalidades da relação jurídica litigada.
Previne-se
assim o surgimento de sucessivas e infrutíferas apreciações jurisdicionais,
consagrando uma maior proteção dos direitos dos particulares e tornando
efetivos os meios processuais. Assim e seguindo o entendimento do Professor
Vasco Pereira da Silva, podemos concluir que a primeira parte da norma não
constitui uma exceção à regra geral constante do nº1 do mesmo artigo, e ainda
cabe referir, que não origina nenhum alargamento ao objeto do processo para
além das alegações das partes, antes consagra um entendimento de conexão da
causa de pedir com a tutela, plena e efetiva, dos direitos dos particulares.
Na segunda
parte do artigo 95º/3 CPTA, diz-nos que o tribunal “deve identificar a
existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas” o que
nos leva a levantar o problema de saber qual a amplitude deste dever do juiz.
Cabe assim saber se ele se encontra limitado pelos factos alegados pelas partes
ou se, pelo contrário, pode ir além destes. Mais uma vez, seguindo a perspetiva
do Professor Vasco Pereira da Silva, a norma consagra o dever do juiz
identificar ilegalidades dos atos administrativos, distintas das invocadas,
sempre tendo como limite os factos trazidos a juízo e o modo como foram trazidos
a juízo pelas partes.
Assim, podemos
concluir que o juiz não se encontra vinculado à qualificação dos vícios ou à
identificação das fontes de invalidade feitas pelas partes. Os tribunais
conhecem do direito e, como tal, podem anular um ato administrativo com
fundamento num vício ou fonte de ilegalidade diferente da invocada pelas partes
e isso não constitui uma violação do princípio da limitação pela causa de
pedir.[2]
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