A divergência esquizofrénica entre a LAV e o CPC vs CPTA – será a preterição de tribunal arbitral uma exceção dilatória de conhecimento oficioso ou estará nas mãos do réu?


A convenção de arbitragem consiste num acordo através do qual as partes submetem à decisão de árbitros um litígio atual (um compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de uma determinada relação jurídica (uma cláusula compromissória).


O nosso problema surge quando as partes acordam em dirimir os litígios através da arbitragem, mas quando o litígio emerge, uma parte recorre aos tribunais do Estado e não aos tribunais arbitrais.
Perante esta situação, cabe perguntar: estamos perante uma exceção dilatória que é de conhecimento oficioso ou deve haver um requerimento por parte do réu?

Em 1º lugar, vamos analisar a LAV. Do seu art. 5º/1 pode-se retirar um efeito negativo (incompetência dos tribunais estaduais para conhecerem desse litígio). Esta disposição acolhe o mencionado na Convenção de Nova Iorque (o art. II, nº3 refere que no caso de um tribunal de um Estado ser solicitado a resolver um litígio sobre uma questão em que haja uma convenção de arbitragem, remeterá para a mesma, caso haja um pedido de uma das partes nesse sentido) e na Lei-Modelo UNCITRAL (o art. 8º preconiza que no tribunal em que foi proposta uma ação relativa a uma questão ao abrigo de uma convenção de arbitragem, remeterá as partes para a arbitragem, se uma das partes o solicitar). Daí que o art. 5º/1 refira que o tribunal estadual em que se proponha uma ação quanto a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve “a requerimento do réu” absolvê-lo da instância, a não ser que se verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, ineficaz ou inexequível.

Em 2º lugar, analisamos o CPC. Dos seus arts. 96º, alínea b) e 97º/1 retira-se que, quando estamos perante a preterição de tribunal arbitral voluntário, esta incompetência absoluta apenas pode ser arguida pelas partes, não sendo de conhecimento oficioso.

Em 3º lugar, menciona-se o CPTA. O seu art. 89º regula as exceções. O nº2 desta disposição estabelece que todas as exceções dilatórias são de conhecimento oficioso.

Retiramos do CPTA que, contrariamente ao CPC e à LAV, a preterição de tribunal arbitral voluntário não depende, no âmbito do contencioso administrativo, de expressa invocação pelas partes, pelo que pode ser conhecimento oficiosamente pelo juiz e não a requerimento do réu.

Existe diversa jurisprudência que dispõe de forma diversa acerca deste tema. No Acórdão de 6/12/17 o Tribunal conheceu oficiosamente de uma questão obstativa do conhecimento do mérito da causa, uma exceção que não foi invocada por nenhuma das partes, que se refere à questão integrar uma convenção de arbitragem. Aí referiu-se que o CPTA, em matéria de exceções, não coincide inteiramente com o regime previsto no CPC, que é de aplicação meramente subsidiária em relação ao processo administrativo. O art. 89º/2 CPTA refere o conhecimento oficioso de todas as exceções dilatórias, não coincidente com o CPC. Além de que o art. 89º/4 não refere um elenco taxativo de exceções dilatórias em processo administrativo. Em sentido contrário, surge o Acórdão de 13/09/18 e de 6/03/15 que consideraram que o tribunal estadual não pode apreciar oficiosamente a preterição de tribunal arbitral, pois deve prevalecer a vontade final das partes, com base no art. 5º/1 LAV e 96º e 99º CPC.

Quanto a nós, consideramos que seja de seguir o disposto na LAV e no CPC.

Estando em causa matéria que se encontra regulada num diploma próprio, a LAV, então quando surge um litígio que envolva a arbitragem, deve-se atender ao disposto nesta lei especial.

No caso de haver uma preterição da convenção de arbitragem, se houver um requerimento por parte do réu, então deve-se considerar que estamos perante uma revogação tácita da convenção de arbitragem, uma renúncia à aplicação da convenção arbitral, e assim uma consequente estabilização da instância.

Temos de ter em conta que esta posição é aquela que exprime a ideia da arbitragem: a sua rapidez. Ao deixar-se nas mãos do tribunal a possibilidade de reconhecer essa exceção, poderia haver uma injustificada delonga do processo.

Note-se que as partes celebraram a convenção de arbitragem por sua própria vontade, pelo que também a podem revogar livremente ao não arguir a incompetência do tribunal perante a preterição da convenção de arbitragem. Está em causa a autonomia das partes, em consonância com a livre revogabilidade da convenção de arbitragem (art. 4º/2 LAV).

Terminamos com a sugestão de uma harmonização entre o CPTA e a LAV e CPC, através da introdução no CPTA de uma exceção em relação à preterição de tribunal arbitral, permitindo que a invocação dessa exceção dilatória resida na vontade das partes e não nas mãos do tribunal estadual. Cabe respeitar uma legítima renúncia pelas partes.

                                                              Joana Rita Fernandes Perdigão, nº de aluno: 56821
                                                                                                       4º ano, TA - subturma 7
Acórdãos:
·       Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-09-2018, Processo 2741/16.1T8PTM.L1-2;

·       Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 6-03-2015, Processo 00036/12.9BEMDL;

·       Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 06-12-2017, Processo 106/12.3BECTB.

Bibliografia:
·       ALMEIDA, Mário Aroso de; CADILHA, Carlos Alberto Fernandes, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª Edição, Almedina, 2017;

·       CORDEIRO, António Menezes, Tratado da Arbitragem, Comentário à Lei 63/2011, de 14 de dezembro, Almedina, 2015;

·       FREITAS, José Lebre de; ALEXANDRE, Isabel, Código de Processo Civil anotado, volume 1º, artigos 1º a 361º, 3ª Edição, Coimbra Editora, 1999;

·       OLVEIRA, Mário Esteves de, Lei da Arbitragem Voluntária Comentada, Almedina, 2014;

·       PINHEIRO, Luís de Lima, Convenção de arbitragem (aspetos internacionais e transacionais), ROA 64º/I e II (2004);

·       REIS, João Luís Lopes dos, A exceção da preterição do tribunal arbitral (voluntário), ROA 58º/III (1998);

·       SERRÃO, Tiago, Arbitragem Administrativa: Uma proposta, Almedina, 2019;

·       VICENTE, Dário Moura, Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, 3ª Edição, Almedina, 2017.

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