Apesar da
sofisticação analítica da doutrina administrativa relativamente a inúmeras
matérias de cariz processual, creio ser possível pacificamente anuir que a
reconvenção não tem sido alvo de muita escrita. De facto, a possibilidade de o
réu reconvir tem sido uma matéria ignorada no processo administrativo, mal se
entendendo o desmerecimento a que a aplicação desta figura tem sido votada.
Este
instituto, orientado para a concretização da economia processual e capaz de
potenciar a proteção do valor da harmonização de decisões judiciais referentes
a litígios administrativos conexos, é de extrema importância. Dada a
necessidade de resolução global do litígio administrativo, não se compreende esta
desconsideração.
A
possibilidade de dedução pelo réu de pedido reconvencional contra o autor da
ação administrativa está expressamente prevista no artigo 83º-A do CPTA.
No artigo
83º-A, o legislador limitou-se a importar do regime processual civil a forma de
introdução do pedido reconvencional, sem estabelecer regras de conexão próprias
com o pedido principal que pudessem clarificar as situações de admissibilidade
de dedução e, ainda, sem se preocupar em prever regras de competência e
compatibilização de formas processuais. Porém, de acordo com a professora
Elizabeth Fernandez, este regime não é problemático, visto que se aplicam as
regras previstas no artigo 266º do CPC subsidiariamente ex vi o artigo
1º do CPTA.
Contudo, penso
que algumas regras básicas deveriam ter sido previstas neste contexto, de modo
a permitir a utilização adequada deste instituto nos processos administrativos.
Em particular, seria importante ter sido regulada a admissibilidade de dedução
de pedidos reconvencionais entre os réus (réu e contrainteressado ou entre
contrainteressados), bem como especificar em que condições é que a
administração ré tem interesses em deduzir pedido reconvencional contra o autor
ou contra um outro réu contrainteressado. Para além disso, era conveniente
esclarecer a possibilidade de deduzir pedido reconvencional em processo urgente
e se, dada a competência hierárquica diversa dos tribunais a quem cabe em
separado a porção de jurisdição para apreciar cada um dos pedidos, se se aplica
o artigo 4º do CPTA ou antes o artigo 93º do CPC. No entanto, estas questões
não obtêm resposta direta na lei, sendo que tal pode comprometer o êxito deste
instituto.
Todavia,
apenas se irá abordar, aqui, a questão de possibilidade de reconvenção em processo
urgente, dado a limitação de páginas imposta.
A reconvenção
não deixa de ser uma forma de cumular objetos em determinado processo judicial.
Posto isto, é especialmente estranho que esta figura não tenha tido o merecido
tratamento normativo, tendo em conta que se destacam no CPTA outras formas da
mesma realidade se verificar que tiveram tratamento especial. “Basta verificar
a atenção que o legislador conferiu a tal possibilidade de cumulação de objetos
nos artigos 4º e 21º do CPTA, e que não pode deixar de contrastar com a espúria
transcrição do artigo 266º do CPC pelo artigo 83º-A daquele código, a qual nada
resolve e tudo deixa em aberto.”[1]
Não há dúvida
de que o legislador deixou aqui todo o trabalho de construção deste mecanismo
aos tribunais, pelo que será forçoso aguardar pelo desenvolvimento da
jurisprudência neste domínio para introduzir alguma segurança na utilização
deste instituto.
Porém, a
professora adianta alguns pressupostos processuais específicos desta figura que
a caracterizam e definem.
A reconvenção
é, desde logo, uma pretensão autónoma – pelo facto de divergir de uma das duas
pretensões “naturais” do réu: ser absolvido da instância ou do pedido” - deduzida pelo réu contra o autor do mesmo
processo judicial. Faz-se um paralelo de uma ação dentro de uma outra ação.
Pode ainda caracterizar-se como uma forma de defesa do pedido principal do
autor.
Assim, são
várias as circunstâncias típicas que caracterizam o pedido reconvencional:
i)
O réu deduz um pedido contra o autor ou contra
um terceiro que intervenha no processo como autor e não contra outro réu;
ii)
O efeito jurídico que o réu pretende obter com a
reconvenção é diverso do efeito jurídico que obterá com a mera improcedência da
ação (absolvição do pedido) ou com a sua absolvição do processo em causa;
iii)
O pedido reconvencional é deduzido num prazo
legalmente determinado (comummente o mesmo concedido para a contestação).
iv)
É ainda, em princípio, uma faculdade processual.
Tal encontra defesa na expressão literal do nº1 do artigo 266º do CPC, segundo
o qual o réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor. A
acrescentar que tal também se retira da aparente não formulação legal expressa
de qualquer ónus de concentração na contestação.
A professora Elizabeth
Fernandez considera que a adoção pela faculdade processual da reconvenção
resulta do equilíbrio entre a prossecução do interesse da economia processual e
da manutenção das condições necessárias para julgar a causa em tempo razoável.
Com efeito, se podem ser elencadas inúmeras razões para que num único processo
sejam apreciadas várias pretensões o certo é que o resultado da cumulação de
várias pretensões num único processo será sempre o de o tornar mais denso e
mais difícil de resolver. Por isso, a dedução do pedido reconvencional tem
vindo tipicamente a funcionar, ao longo dos tempos, como uma faculdade ou
direito do réu unicamente dependente da sua vontade.
Porém, ao se caracterizar
a reconvenção como uma faculdade, há consequências que podem não ser as
melhores em termos de garantia de justiça e segurança jurídica das decisões
judiciais. De facto, podem ocorrer posteriormente julgamentos sucessivos com
pretensões e contra pretensões, podendo conduzir a decisões carentes de
harmonia e incompatíveis entre si.
Por essa
razão, segundo a professora, o legislador decide que, excecionalmente, haja um
ónus de reconvir. Tais exceções têm lugar nos casos daqueles direitos que pela
sua natureza merecem um desfecho definitivo sem protelamento de litígios
sucessivos que possam inclusive comprometer a composição do primeiro.
Dito isto, é
manifesto que a faculdade de dedução de um pedido pelo réu contra o autor em
processo pendente, sendo um imperativo do valor da economia processual, só pode
justificar-se – sob pena de manifesta complexificação desnecessária do mesmo –
quando exista uma conexão material entre os pedidos (do autor e do réu) ou,
quando, essa conexão derive da utilização de alguma forma de defesa,
designadamente da dedução de exceções perentórias.
Diremos,
portanto, que desde que se verifique qualquer uma das conexões substantivas
previstas no artigo 266º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA, e desde que
não se atente em qualquer obstáculo formal à dedução desse pedido, a utilização
deste instrumento de eficácia processual será, em princípio, admissível.
Traçando,
então, as características básicas da reconvenção, é necessário analisar o
problema referido.
A questão
prende-se, então, com a necessidade de saber se é possível deduzir reconvenção
em processos urgentes; e se é possível deduzir um pedido reconvencional ao qual
corresponda a forma urgente em processo que segue a forma comum de ação
administrativa ou vice versa.
Descartando o
artigo 266º do CPC, dir-se-ia que não, considerando ser aparentemente
incompatível conciliar a diferente velocidade de apreciação de pedidos urgentes
e não urgentes no mesmo processo. Todavia, há autores que entendem que aqui
devem ser aplicadas as regras previstas para a cumulação processual no artigo 4º
do CPTA, como regra especial de aplicação analógica[2].
A redação que
o novo CPTA dá ao artigo 4º admite sem qualquer entrave a possibilidade de
cumulação, mesmo com divergências de tramitação manifestamente incompatíveis
entre pedidos (nº1, alínea b), dirigindo apenas ao juiz da causa, nestes casos,
o dever de adequar a tramitação no sentido mais propício ao da urgência, ou, na
precisão legal, “devendo as adaptações que impliquem menor celeridade do
processo cingir-se ao estritamente necessário.” – artigo 4º/3.
O preceito
admite, assim, que se cumulem, mesmo por via de reconvenção, um pedido que siga
a forma da ação administrativa urgente com um pedido que siga a tramitação da
ação administrativa comum, ou vice-versa, sempre com a ressalva de que o juiz
deve fazer as devidas adaptações.
Acresce,
ainda, que o juiz pode antecipar a decisão do pedido principal relativamente à
instrução dos pedidos cumulados a qual apenas terá lugar se a procedência dos
mesmos não for prejudicada pela decisão tomada quanto ao pedido principal. Se o
segundo pedido tiver, porém, natureza urgente, cremos que tal não será possível
sob pena de desvirtuar a própria urgência.
Tal parece
significar que se a reconvenção, que nada é a mais do que uma cumulação de
pedidos, corresponder à forma da ação administrativa comum quando o pedido
principal segue a forma da ação administrativa urgente ou vice-versa esta
diversidade de formas não constitui, em si, obstáculo à dedução de tal pedido
reconvencional.
Em conclusão,
a reconvenção tem sido na prática forense um instituto subaproveitado, mesmo passados
14 anos sobre a sua implementação no CPTA, não tendo potenciado, como devia, a
eficácia e harmonia das decisões. Reconhece-se, porém, que concomitantemente
também pudesse suscitar interessantes questões jurídicas a resolver em virtude
do deficiente regime legal previsto para a sua aplicação.
Ana Sofia Nogueira Afonso Gonçalves, nr 56700, 4A7
[1]
Elizabeth
Fernandez, “A propósito
e a pretexto da reconvenção nas ações administrativas” in Carla Amado
Gomes, Ana Fernanda Neves, Tiago Serrão, Comentários à revisão do ETAF e CPTA,
2017, 3ª edição, Lisboa, AAFDL Editora – pp. 755 e ss
Comentários
Enviar um comentário