No presente post, ocupar-nos-emos
da análise da figura da consulta prejudicial para o Supremo Tribunal
Administrativo, adiante designado “STA” no quadro do art.º 93º, nº1, al. b) do
CPTA, em função das questões controvertidas que resultam da interpretação
daquele.
Procedamos, a título breve, à enunciação dos pressupostos para a aplicação
do preceito: a questão de direito suscitada tem de ser nova, suscitar dificuldades
e poder vir a ser suscitada noutros litígios.
Como sublinha VIEIRA DE ANDRADE, a presente solução legislativa foi inspirada na solução francesa dos avis do Conseil d’État (cf. VIEIRA DE ANDRADE, Justiça..., p. 305), denotando-se
o objetivo de reforçar a vertente reguladora da jurisdição por parte do
Tribunal (cf. AROSO DE ALMEIDA, Manual..., p. 385). Ademais,
como decorre da “Exposição de Motivos” da Proposta de Lei do ETAF, no seu nº13,
o presente mecanismo visa diminuir a produção de jurisprudência contraditória,
favorecendo a sua uniformização, a priori.
Veja-se ainda que, nos termos do nº3, a consulta não se aplica aos processos
urgentes, art.º 36º do CPTA, pela razão de que o teor urgência dificilmente se compatibilizaria com o prazo estabelecido
para a emissão da pronúncia.
Sobre a tramitação do incidente, compete, nos termos do nº1, do art.º 93º,
ao presidente do tribunal administrativo de círculo, a título oficioso ou por
proposta do juiz da causa, solicitar a consulta prejudicial ao STA. Nos termos
da al.b), o STA deve responder no prazo de 3 meses. Ao nível da prática
judicial, a consulta é formulada em moldes próximos do reenvio prejudicial para
o TJUE, através da formulação sintética das questões às quais se pedem resposta
(cf. VITOR GOMES, O Reenvio Prejudicial...,p.
92). Incidamos, deste modo, nas principais questões controvertidas.
O nº5 do art.º 93 levanta sérias dúvidas ao nível dos seus efeitos com a
interposição de recurso para o STA, no quadro do mesmo processo, por exemplo,
em função da aplicação do art.º 151º, enquanto recurso per saltum. No sentido de que o STA não poderia rever a sua
pronúncia, podemos tomar como dados fundamentadores a justificação que este havia
dado previamente na emissão da consulta, bem como a recta prossecução dos
objetivos de uniformização de jurisprudência e prevenção do contencioso (cf. VÍTOR GOMES, O Reenvio..., p.95). Ademais, poder-se-á
referir que um entendimento contrário ao postulado na lei esvaziaria o sentido
útil da estatuição normativa. Estamos, porém, convencidos de que a solução em
causa não deve ser aceite, pela razão de que, a figura do recurso, enquanto reforço
das garantias jurisdicionais de acesso ao Direito, valor este com consagração
constitucional nos termos do art.º 20º da CRP, pressupõe a formulação de um
novo juízo sobre a questão material controvertida. Em função do nº5 do art.º 93º,
não somente o STA terá uma clara pré-compreensão sobre o caso que enformará a decisão,
o que, em geral, visto que a mesma foi objeto de consulta, como estará
vinculado à formulação por si atribuída na resposta à consulta. Em rigor, o preceito
legal em causa consubstancia uma inversão lógica do clássico íter processual,
pela razão de que se verifica, em certa medida, a inutilização do mecanismo de
recurso, encontrando-se a questão já previamente solucionada, em termos de
Direito. Por estas razões, em definitivo, consideramos que a norma em causa não
se encontra em conformidade com o art.º 20 da CRP, pelo que, por aplicação do
princípio de interpretação conforme à Constituição, a norma deve ser
interpretada no sentido de que o STA poderá rever aquilo que havia formulado.
Por fim, urge questionar se o facto da pronúncia ser vinculativa para o
juiz de círculo determina a violação do art.º 203º da CRP, sobre a
independência dos tribunais. Não apenas os tribunais são independentes face aos
demais poderes do Estado, num ponto de vista externo, como o são a título
interno, visto serem órgãos de soberania per
si (cf. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição Anotada...,
p.794). Sobre a hierarquia dos tribunais, esta materializa-se no dever de
acatamento das decisões de recurso proferidas pelos tribunais superiores, inexistindo
um vínculo de subordinação face às ordens proferidas, o que é próprio da
atividade administrativa (cf. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição
Anotada, p. 42.). O disposto no art.º 93º não obedece ao referido, visto
que não se trata de acatar um recurso proferido por tribunal superior, visto na
situação típica do preceito este não existe, mas antes de acatar uma pronúncia vinculativa, a título prévio, que
enformará a decisão em primeira instância, aproximando-se das relações de hierarquia
próprias da função administrativa. Em definitivo, concluímos pela sua não
constitucionalidade.
Aluno: Francisco Miguel Marques Figueiredo
4º ano, Tdia, st7, nº 56718, Contencioso Administrativo e Tributário.
Bibliografia
ANDRADE, José Carlos Vieira de, A
Justiça Administrativa, Almedina, 15ª edição, Coimbra, setembro de 2016.
ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de
Processo Administrativo, Almedina, 2ª edição, Coimbra, abril de 2016.
CANOTILHO, Gomes e MOREIRA, Vital, Constituição
da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 3ª edição, 1993.
GOMES, Vitor, O Reenvio Prejudicial
para o Supremo Tribunal Administrativo: Limites Naturais ou Insucesso?, in.
Cadernos de Justiça Administrativa, número 101, setembro/outubro de 2013.
MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui, Constituição
Portuguesa Anotada, tomo III, Coimbra Editora, dezembro de 2007.
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