A impugnação de
atos administrativos está regulada nos art.50 e seguintes do CPTA, cuja regra
geral determina que todos os actos administrativos são, por definição,
impugnáveis. Assim, poder-se-á dizer que a impugnabilidade destes atos apenas
depende da reunião dos seus elementos constitutivos. Não obstante, existem exceções,
nomeadamente as situações em que estamos perante atos confirmativos.
O ato
confirmativo é, segundo Luiz Cabral de Moncada, aquele que nada acrescenta a um acto
administrativo anterior - acto confirmado – e que por conseguinte não produz efeitos jurídicos
novos. De acordo com a noção legal - art.53 do CPTA - para determinar a
circunstancia de este ato ser confirmativo, recorre-se aos seus fundamentos: o
ato confirmativo limita-se somente a reiterar os fundamentos invocados pela Administração[1].
Pelo facto de não envolver o reexercicio
do poder de decidir, o mesmo não é suscetível de impugnação – art.53/1 primeira
parte. Mas será que faz sentido sujeitar estes atos a um regime de inimpugnabilidade?
E se sim, em que medida?
O principal
objetivo do regime jurídico do ato confirmativo é, do ponto de vista
processual, garantir a estabilidade do acto confirmado. Se refletirmos um
pouco, ao permitirmos a impugnação de atos confirmativos, estaríamos a
possibilitar que, na veste de um acto administrativo posterior, novo mas
idêntico, o ato confirmado estivesse sempre a tempo de ser impugnado, com total
desrespeito da observância de certos prazos legais[2],
o que seria, a meu ver, inaceitável.
Ainda que a inimpugabilidade
sirva apenas para rejeitar ações de “chicaneia” inconsequentes, que
contradizem frontalmente a posição que o
autor assumiu no passado face a um ato administrativo [3],
mostra-se ser essencial para a concretização do principio da proibição do
abuso de direito na sua dimensão processual[4]. Razão
pela qual o legislador consagrou esta regra, excetuando, evidentemente, os
casos em que o interessado não teve o ónus de impugnar o ato confirmado por este nunca ter chegado a adquirir
eficácia/por não ter ocorrido o facto que, nos termos gerais, desencadearia a
contagem do correspondente prazo de impugnação[5].
Respondendo
afirmativamente à primeira questão, cumpre analisar de que forma é feita a
sujeição a este regime. Como já foi referido supra, o CPTA utiliza como critério
a identidade dos fundamentos do segundo ato relativamente ao primeiro, que à
primeira vista parece ser o mais adequado. Contudo, este critério levanta algumas
preocupações: se a Administração proferir uma decisão final exatamente com os
mesmos fundamentos de um acto anterior, ainda que a pretensão seja diferente e/ou
tenha sido após um procedimento que revelou a intenção de reapreciar o mérito da
questão, o ato não é suscetível de impugnação. Tanto a pretensão do requerente como
o procedimento que conduziu à segunda pronuncia da administração mostram-se
irrelevantes para efeitos de classificação do ato como confirmativo e,
consequentemente, para efeitos de impugnação.
Ora, no que concerne a esta questão, partilho
do mesmo entendimento do prof. Miguel Assis Raimundo: a atual redação do art.53
situa o conceito de ato confirmativo “numa definição demasiado estanque”[6].
Efetivamente seria preferível que, para além dos fundamentos, se atendesse à pretensão
por via da qual o requerente solicitou a reapreciação e ao procedimento que foi
conduzido na sequencia dessa pretensão, pois desta forma, não só se estaria a
salvaguardar a solidez da definição do direito que é feita por um acto
administrativo (servindo assim o principio da segurança jurídica) e a proteger
o efeito perentório do decurso dos prazos de impugnação, como também se estaria
a evitar tratar como atos confirmativos inimpugnaveis realidades que, à luz das
funções do instituto, não o deveriam ser.
[1]
Com essa formulação, a comissão
de redação do anteprojeto visou excluir de modo claro a posição que vê no acto
confirmativo uma decisão apenas com o mesmo sentido da anterior
[2]
No mesmo sentido, o prof. Mário Aroso de Almeida alerta: “o acto meramente
confirmativo não pode ser aproveitado para reabrir um litigio”, ALMEIDA, MÁRIO
DE AROSO, Manual de Processo administrativo, 2019, Almedina, Pág.
273.
[3]
RAIMUNDO, MIGUEL ASSIS, O acto confirmativo – elementos para uma reapreciação,
a propósito do Anteprojecto de revisão do CPTA, in Liber Amicorum Fausto de
Quadros, 2016, Almedina, pág.449
[4] A doutrina mais recente chama a atenção para o facto da
teoria do acto confirmativo revelar alguma excessiva (e anacrónica)
desconfiança face aos particulares, pois parte sempre do pressuposto que o particular
tem a intenção escondida e ilegítima de conseguir contornar os prazos de
impugnação. Alerta-se para o facto deste pressuposto não ser compativel com a
ideia de uma administração participada.
[5]
Cfr. Nº 2 e 3 do art. 59 ex vi art. 53/2, ambos do CPTA.
[6] RAIMUNDO, MIGUEL ASSIS, O acto confirmativo – elementos para uma reapreciação, a propósito do Anteprojecto de revisão do CPTA, in Liber Amicorum Fausto de Quadros, 2016, Almedina, pág.449ss
Adriana Alves (56939)
Bibliografia:
· ALMEIDA, MÁRIO DE AROSO, Manual de Processo
administrativo, 2019, Almedina.
· MONCADA, LUIZ. S. CABRAL DE, O acto
administrativo confirmativo: noção e regime jurídico, in Jurismat nº5,
Lisboa, Novembro de 2014.
· CALDEIRA, MARCO, A impugnação de actos no
novo CPTA: âmbito, delimitação e pressupostos, in Comentários à revisão do
ETAF e CPTA, 2016, AAFDL editora
· RAIMUNDO, MIGUEL ASSIS, O acto confirmativo –
elementos para uma reapreciação, a propósito do Anteprojecto de revisão do
CPTA, in Liber Amicorum Fausto de Quadros, 2016, Almedina
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