O paradigma instalado em 2015: o Contencioso dos Procedimentos de massa



Uma das grandes novidades da revisão de 2015 ao CPTA é justamente a previsão de uma nova forma de processo urgente. O artigo 99º CPTA traz assim um novo regime de procedimento em massa para conhecer de litígios decorrentes da prática ou omissão de atos no âmbito de alguns domínios. Integrando uma forma de processo urgente, estas ações seguem uma tramitação diferente segundo o que consta o artigo 36º CPTA assumindo assim prioridade sobre os demais processos e conseguindo assim uma resolução mais célere do litígio.

Consideram-se massivos os procedimentos com mais de 50 participantes, e elegem-se três domínios de aplicação: Os concursos de pessoal, os procedimentos de realização de provas com mais de 20 participantes e os procedimentos de recrutamento para a administração pública.

Uma vez intentada a primeira ação, os restantes interessados serão notificados da sua propositura por anúncio e assim, caso pretendam apresentar pretensões relativas ao mesmo procedimento devem coligar-se com o autor, assim participando no processo já em curso.

Tendo em conta o elevado número de contrainteressados,   a notificação dos restantes interessados por anúncio é também por si um regime especial de citação, em detrimento da habitual citação individual de cada um. Assim se o número de contrainteressados for superior a 20, pode o juiz decidir que a publicação seja realizada por publicação de anúncio, que deverá fazer-se através dos mesmos meios utilizados pelo ato impugnado no processo ou, quando o ato não tenha sido publicado, através de publicação em meio de comunicação social.

As pretensões deduzíveis são apenas a anulação ou a declaração de nulidade de atos administrativos – não se abrangendo pretensões relativas a outros atos jurídicos ou comportamentos ou a contratos, salvo em caso de uma cumulação de pedidos, que estariam sujeitos aos termos gerais do artigo 5º CPTA, circunstância que limita o alcance da nova ação.

Todas as ações devem ser propostas no tribunal da sede da entidade demandada (e não do domicílio do demandante), e, quando sejam propostas diferentes ações por referência ao mesmo procedimento, há  apensação obrigatória da ação proposta em primeiro lugar, desde que estejam preenchidos os pressupostos legais de admissibilidade para a coligação e cumulação de pedidos (nº2 e 4) – o propósito obvio e, em geral, aclamado é o da concentração de processos (um único processo, a correr num único tribunal), para alcançar uma maior uniformidade decisória, respeitando o princípio da igualdade de tratamento.

O prazo de proposição destas ações é de um mês e os prazos para a tramitação e decisão do processo são também  muito curtos contando 20 dias para a contestação e 30 dias para a decisão dos juiz, e o recurso no tribunal superior é igualmente de tramitação muito rápida – o propósito evidente é o de conseguir uma decisão célere, embora a opção seja contestada por boa parte da doutrina, que suscita dúvidas, seja, em geral, quanto à razoabilidade da fixação da urgência em todos os casos, seja, em especial, quanto à exiguidade dos prazos estabelecidos.

No nº4 do artigo 99º estabelece-se uma regra de apensação obrigatória de processos. Isto significa que os processos intentados separadamente, por referência ao mesmo procedimento são objeto de apensação obrigatória, para serem instruídos e julgados num único processo. A apensação é “determinada quando tenham sido propostas diferentes ações em relação ás quais se preencham os pressupostos de admissibilidade previstos para a coligação e a cumulação de pedidos.”[1]

Ainda neste domínio, não devemos confundir o procedimento em massa com o já existente mecanismo de processos em massa do artigo 48º CPTA uma vez que têm funções e funcionamentos diferentes.

O procedimento em massa é uma verdadeira forma de processo nova que surge para que quando uma ação com muitos interessados é proposta estes sejam chamados a ser parte nessa ação enquanto que o mecanismo de processos em massa visa permitir que, face a um número significativo de processo com semelhanças suficientes, se possa selecionar um ou vários, ficando os demais suspensos, a aguardar a decisão judicial dos que avançam. O que têm em comum, no entanto, é que ambos visam uma maior celeridade dos litígios e a uniformização das decisões, mas apenas o novo sistema do artigo 99º é que faz verdadeiramente uma nova forma de processo urgente.




Carlos Ferreira
nº 56685
Subturma 7


[1] Cfr. Mário Aroso de Almeida/Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao código de processo nos tribunais administrativos, cit., pág. 792

Vieira de Andrade, José Carlos – A justiça administrativa lições, 2018, 16ª edição, pág. 246
Amado Gomes, Carla, Temas e Problemas da Justiça Administrativa, 2018, pág. 73
Telo Afonso, Helena Maria, Contencioso dos Procedimentos em Massa, in Cadernos de Justiça Administrativa, edição 130 de Julho e Agosto de 2018


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