Pareces vinculativos e a “esquizofrenia” ligada à sua impugnação

A impugnação de atos administrativos reveste-se de uma importância central no âmbito do contencioso administrativo. 
Neste contexto, os atos administrativos podem estar alicerçados em pareceres. Tal como é referido pelo Professor Freitas do Amaral, os “pareceres são atos opinativos elaborados por peritos especializados em certos ramos do saber, ou por órgãos colegiais de natureza consultiva”[1]
Quando estamos no domínio dos pareceres vinculativos, a decisão da segunda entidade é apenas uma formalização de algo que já estava pré-determinado no parecer. Neste espetro, os pareceres vinculativos como regra devem ser seguidas pelo órgão decisor competente.
Assim sendo, apesar dos pareceres vinculativos se encontrarem inseridos no processo administrativo, importa analisar a suscetibilidade da sua impugnação quando os mesmos afetam direitos ou interesses dos particulares.
Após a alteração efetuado pelo Decreto-Lei 214-G/2015, o artigo 51º/nº1 do CPTA, dispõe atualmente que o processo de impugnação encontra-se ancorado numa especifica conceção de ato administrativo. Mais concretamente, e de acordo com o artigo 148º CPA, o ato administrativo é uma decisão da administração pública, de autoridade, constitutiva e com efeitos numa situação externa, individual e concreta.
A propósito da impugnação e tendo por base o artigo 51º/nº2 a) CPTA, o Professor Mário Aroso de Almeida, considera que não são apenas impugnados os atos que finalizem o procedimento. Neste âmbito, relativamente aos pareceres vinculativos, “estes não exprimem o exercício de uma função meramente consultiva, mas pré-determina o sentido da decisão tomada pelo órgão competente para a decisão final do procedimento, pelo que este preceito torna definitivamente indiscutível a impugnabilidade deste tipo de atos”[2]. Porém, segundo este Professor o parecer esgota a sua eficácia dentro da relação jurídica administrativa e não tem efeitos externos.
Numa perspetiva de análise diferente, o Professor Vasco Pereira da Silva considera possível a extensão da impugnabilidade decorrente dos critérios da lesividade. Nas palavras do Professor, “impugnáveis são todos os atos jurídicos que, em razão da sua situação, sejam suscetíveis de afetar imediatamente posições subjetivas dos particulares”[3].
Como a este propósito bem explicitou o Acórdão do Supremo Tribunal Admnistrativo [4] (06/12/2015) o parecer vinculativo, apesar de não ser o ato final decisor com que se extingue o procedimento administrativo, é impugnável autonomamente, pela eficácia externa que produz e pela lesividade que represente”.

Atendendo à doutrina supra-apresentada e esgrimida cumpre agora enunciar a minha posição adotada.
Atualmente verificamos a existência de uma conceção ampla de ato administrativo no artigo 148º CPA, pelo que “tanto as atuações agressivas como as prestadores ou as infra-estruturais, tanto as decisões de caráter regulador"[5] são consideradas atos administrativos.
Tal como é referido em inúmeros pareceres do Supremo Tribunal Admnistrativo[6], os pareceres vinculativos consubstanciam assim verdadeiros atos administrativos que definem a posição jurídica dos interessados. Neste sentido, perfilho da posição do Professor Vasco Pereira da Silva segundo a qual a lesividade dos diretos dos particulares consubstancia o critério de recurso à impugnação. Por um lado, considerar a inimpugnabilidade dos pareceres seria a negação da tutela dos particulares em atos que apresentam efeitos diretos nos direitos dos mesmos. Por outro lado, circunscrever os atos ao domínio interno do processo, seria a negação da própria natureza dos pareceres e consubstanciava a sua igualação a atos processuais de natureza distinta. Por último, o legislador no artigo 268º/nº4 da Constituição[7] consagrou natureza constitucional à impugnação de quaisquer atos administrativos, o que densifica a posição adotada. 
Assim em meu entender, não me parece justificável a negação da impugnação dos pareceres vinculativos.


Bibliografia:

AROUSO DE ALMEIDA, MÁRIO, «Manual de Processo Admnistrativo», Almedina, Almedina 2019 (1ª edição: outubro 2010)

FREITAS DO AMARAL, Diogo, «Curso de Direito Admnistrativo», Volume II, Almedina 2009

PEREIRA DA SILVA, Vasco, «O Contencioso Admnistrativo no Divã da Psicanálise», Volume II, Almedina 2009

VIEIRA DE ANDRADE, «A Justiça Administrativa», Almedina 2018



Autoria: Catarina de Vasconcelos Avelino Santos Fernandes
Número: 57109
4º ano, subturma 7


[1]       Cfr. FREITAS DO AMARAL, Diogo, «Curso de Direito Admnistrativo», Volume II, Almedina 2009, p. 273
[2]    Cfr.AROSO DE ALMEIDA, MÁRIO, «Manual de Processo Admnistrativo», Almedina, Almedina 2019 (1ª edição: outubro 2010), p. 278
[3]      Cfr. PEREIRA DA SILVA, Vasco, «O Contencioso Admnistrativo no Divã da Psicanálise», Volume II, Almedina 2009, p. 338
[5]     Cfr. PEREIRA DA SILVA, Vasco, «O Contencioso Admnistrativo no Divã da Psicanálise», Volume II, Almedina 2009, p. 336
[7]     Cfr. Constituição da República Portuguesa, artigo 268º/4 segundo o qual “É garantido aos administrados tutela jurisdicional dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares adequadas”.

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