Pressupostos de Aplicação da al. a) do nº1 do art.º 55º do CPTA - Necessidade de Interpretação Restritiva


No presente post, incidiremos sobre a al. a), do nº1 do art.º 55º do CPTA, norma que releva em sede da definição da legitimidade ativa para a impugnação de atos administrativos. Recorde-se, para o efeito, que a legitimidade é um pressuposto processual, cuja inobservância obsta a que o tribunal possa conhecer do mérito da causa, o que resulta da al. e) do nº4 do art.º 89º, em harmonia com o seu nº2.   

No preceito em causa, encontramos dois pressupostos face aos quais a lei exige o seu preenchimento cumulativo: a existência de um interesse direto e pessoal. No que concerne ao caráter pessoal, como sustenta AROSO DE ALMEIDA, trata-se de atender à suscetibilidade da utilidade que o interessado obterá com a anulação ou declaração de nulidade do ato versar sobre a sua pessoa, residindo nesse aspeto a ligação central com o pressuposto da legitimidade (cf. AROSO DE ALMEIDA, Manual..., p. 225). Em conformidade, este pressuposto determina que o efeito útil decorrente da decisão se projete integralmente na esfera jurídica da parte (cf. JOSÉ DUARTE COIMBRA, A Legitimidade..., p. 7).

Já no que concerne ao pressuposto direto, a questão passa por saber se se verifica a existência de um interesse atual e efetivo no quadro do pedido formulado. Ao nível dos dados jurisprudenciais mais relevantes nesta matéria, o Supremo Tribunal Administrativo, nos Acórdãos de 27 de fevereiro de 1996, de 29 de outubro de 1997 e de 18 de maio de 2000, prosseguiu no entendimento de que o pressuposto é aferido em função das vantagens decorrentes da eventual procedência do seu pedido. Ademais, exige-se que haja a repercussão imediata na esfera do interessado. Mais recentemente, o Tribunal Central Administativo Sul, em Acórdão de 6 de dezembro de 2017, procede à seguinte formulação: “ A utilidade a retirar do sucesso da ação tem de advir diretamente ou imediatamente da invalidação do ato administrativo, o que só ocorre quando o interesse do autor é atual, imediato e efetivo, e não quando for reflexo ou mediato em relação ao efeito próprio do ato administrativo”. Nestes termos, encontram-se afastados do preceito os interesses eventuais ou hipotéticos (cf. AROSO DE ALMEIDA, Manual..., p. 226).

Repare-se que na norma em análise, o legislador introduziu um advérbio de modo que opera a título de exemplo, não taxativo. Deste modo, atendendo à extensa amplitude da cláusula,  VIEIRA DE ANDRADE considera que a previsão se preenche com um mero interesse de facto diferenciado (cf. VIEIRA DE ANDRADE, Justiça..., p. 195). Em sentido próximo, sem se referir diretamente à figura do interesse de facto, posiciona-se AROSO DE ALMEIDA, considerando que a previsão normativa se bastará com a invocação de resultados desfavoráveis na sua esfera. JOSÉ DUARTE COIMBRA, neste quadro, e em nossa opinião bem, considera que a base dessa legitimidade terá de partir de uma posição jurídica-subjetiva, desde logo porque assim se assegura a característica jurídico-relacional do conceito de legitmidade (cf. JOSÉ DUARTE COIMBRA, A Legitimidade..., p. 14). Note-se que subsumir à cláusula interesses meramente de facto levaria a aceitar toda e qualquer aceção de vantagem, mesmo que juridicamente inatendível. A título consequente, desvirtuar-se-ia o próprio conceito de legitimidade processual. Em definitivo, pelas razões expostas, forçosamente concluímos que, pese embora em termos literais a norma indicie a abertura a interesses de facto, urge interpretá-la restritivamente, a fim de garantir que se não  inutilize o pressuposto processual em apreço.


Aluno: Francisco Miguel Marques Figueiredo, nº 56718, 4º ano, Tdia, subturma 7.


Fontes

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 6 de dezembro de 2017, in. http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/3C6520C187224BC3802581F5003CB686

ANDRADE, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa, Almedina, 15ª edição, Coimbra, setembro de 2016.

ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2ª edição, Coimbra, abril de 2016.

COIMBRA, José Duarte, A Legitimidade do Interesse na Legitimidade Ativa de Particulares para Impugnação de Actos Administrativos, in. http://www.icjp.pt/sites/default/files/papers/jose_duarte_coimbra_-_a_legitimidade_do_interesse_na_legitimidade_de_particulares_para_a_impugnacao_de_actos_administrativos.pdf 


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