Tutela Cautelar: A Proporcionalidade no Processo Administrativo e Civil

O processo cautelar tem como finalidade assegurar a utilidade de um processo principal. Como características fundamentais, pode referir-se a instrumentalidade, pois depende de uma ação principal; a provisoriedade, no sentido em que não apresenta uma solução definitiva; e a sumariedade, semelhante ao que se verifica nos processos urgentes. 

Para uma providência cautelar ser decretada, é necessário que estejam preenchidos determinados requisitos. O primeiro diz respeito ao periculum in mora, ou seja, a existência de um perigo de inutilidade. O segundo requisito consiste no fumus boni iuris, isto é, na probabilidade de sucesso na procedência da ação principal. Por fim, o terceiro requisito e elemento de análise deste texto, a proporcionalidade/ponderação de interesses. Não basta o preenchimento dos pressupostos do artigo 120º/1 CPTA (periculum in mora e fumus boni iuris). Os dois primeiros requisitos têm de ser alegados e provados pelo requerente da providência. No entanto, quanto ao requisito da proporcionalidade, cabe ao requerido alegar e provar que o mesmo não se verificou, de forma a evitar a concessão da providência (Ac. do STJ de 08-04-1997, processo n.º 96A940). É, pois, um facto impeditivo do direito do requerente. Por outras palavras, é uma exceção perentória impeditiva, no que diz respeito aos factos alegados pelo requerente, que conduz à absolvição do pedido.

Num primeiro momento, importa atender aos requisitos do artigo 120º/1 CPTA, que garantem à posição do requerente uma necessidade de proteção. Por sua vez, o número seguinte do mesmo artigo salvaguarda os interesses das restantes partes envolvidas. Desta forma, há uma comparação dos interesses envolvidos, pesando os riscos que a providência pode causar, ao ser atribuída, aos interesses (públicos e privados) que se encontram em oposição ao requerente, e os danos que o requerente poderá vir a sofrer com a recusa da mesma providência. Para o Professor Vieira de Andrade, não está em causa a ponderação de interesses mas sim de prejuízos que vão resultar da recusa ou da concessão da providência cautelar (Ac. do TCAN de 03-06-2016, Processo n.º 02517/15.3BEBRG).

Se a providência for recusada, demonstra-se que os prejuízos da atribuição da providência serão superiores aos da sua não atribuição. Em alternativa à recusa, o juiz pode decretar uma providência diferente da que foi requerida, de modo a evitar a desproporcionalidade face ao requerido (Ac. do TRP de 12-10-2010, processo n.º 334/10.6TBCHV-A.P1.) É de salientar o facto de que, muitas vezes, o interesse público corresponde ao interesse do requerido mas não devemos interpretar a lei no sentido de o interesse público prevalecer sobre o interesse particular (Ac. do TCAN de 14-09-2012, Processo n.º 03712/11.0BEPRT).

No âmbito do CPTA, não se concede a providência se os danos da sua atribuição forem superiores aos da sua recusa. No âmbito do CPC, o legislador não se bastou com o critério de superioridade dos prejuízos, e foi mais além, ou seja, os prejuízos da concessão da providência têm de exceder consideravelmente o dano que a mesma pretende evitar. Aparentemente, o CPC mostra-se mais exigente que o CPTA na análise da desproporcionalidade, que por sua vez irá reconduzir à recusa da concessão da providência cautelar. Para o CPC, não é suficiente uma pequena desproporção. No CPTA, bastará um mero desequilíbrio para a recusa da providência? Para o Professor Mário Aroso de Almeida, os pressupostos não têm de estar preenchidos com a mesma intensidade, permitindo que haja um equilíbrio entre os pressupostos que se preencheram de forma mais intensa e os que se preencheram com menos intensidade. No artigo 368º/2 CPC, o legislador usou a expressão “pode”, enquanto que no artigo 120º/2 CPTA usou “é”. Uma interpretação literal do dois preceitos poderia levar-nos à ideia de que há uma discricionariedade no âmbito do CPC. 

No entanto, e para concluir, não concordo com esta interpretação pois o “pode” deve ser interpretado no sentido da necessidade de avaliação a ser feita pelo juiz.  Nos casos em que o tribunal não recusou a providência, o requerido pode interpor recurso dessa mesma decisão. Logo, apesar da divergência literal dos dois preceitos, entendo que não há razões para defender uma posição que distancia a exigência dos dois artigos em questão.

BIBLIOGRAFIA

MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2ª edição, 2016, Almedina

JOSÉ VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, 11ª edição, 2011, Almedina

JOANA COIMBRA CASTANHEIRA, As Providências Cautelares e os Requisitos para o seu Decretamento Confronto entre o Processo Administrativo e o Processo Civil, disponível em: https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/86628/1/Tese Joana Castanheira.pdf

MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, As Providências Cautelares e a Inversão do Contencioso, disponível em: https://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/PCN_MA_25215.pdf

JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS, As providências cautelares na acção popular civil ambiental e o relevo do princípio da proporcionalidade, disponível em: https://digitalis-dsp.uc.pt/bitstream/10316.2/8114/3/6.pdf

Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-01-2012, Processo n.º 122/08.0TBPTB-B.G1

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12-10-2010, Processo n.º 334/10.6TBCHV-A.P1.

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 03-06-2016, Processo n.º 02517/15.3BEBRG

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 14-09-2012, Processo n.º 03712/11.0BEPRT

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 27-09-2007, Processo n.º 01347/06.8BEBRG

Matilde Correia de Sá
4º Ano, subturma 7, nº 56739



Comentários