O efeito suspensivo no contencioso pré-contratual ao abrigo da alteração ao CPTA operada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro
O efeito suspensivo
no contencioso pré-contratual ao
abrigo da alteração ao CPTA operada
pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro
1. O âmbito do Contencioso Pré-Contratual
O contencioso pré-contratual
é uma das três formas de ação administrativa urgente,
insere-se no Título III do CPTA[1]e encontra-se previsto no
artigo 100º, nº 1, do CPTA, compreendendo as
ações de impugnação dirigidas contra atos
administrativos de conteúdo
positivo ou pretensões de
condenação à prática de atos
administrativos, em situação de
imissão ou recusa da prática de tais atos, relativos
“à formação de contratos de empreitada
de obras públicas, de concessão de obras públicas, de concessão de serviços públicos, de aquisição ou locação de bens móveis e de aquisição de serviços[2].”
Consideram-se atos administrativos, para efeitos do nº1 do já mencionado preceito os
“praticados por quaisquer entidades adjudicantes ao abrigo de regras de
contratação pública”.
Quanto ao prazo para instaurar a ação, este é de
um mês, nos termos do artigo 101º, aplicando-se à contagem do prazo o
disposto nos artigos: 58º, nº3, 59º e 60º.
Decorre do acima aludido artigo 101º do CPTA que os processos de
contencioso pré-contratual devem ser
intentados por quem tenha legitimidade nos termos gerais, o que significa que é parte legitima para deduzir
o pedido impugnatório
quem, nos termos do artigo 58º do
CPTA: “alegue ser
titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado
pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”, e tem
legitimidade para peticionar a condenação da entidade adjudicante à prática de
ato devido: “Quem alegue ser titular de um direito ou interesse legalmente
protegido, dirigido à emissão desse ato;”[3]. Segundo
Carlos Cadilha, “o ato pré-contratual poderá ser impugnado por um
concorrente preterido ou por quem tenha sido prejudicado pelo facto de não ter sido adotado o
procedimento pré-contratual
legalmente exigido”[4].
2. O efeito suspensivo automático do Contencioso Pré-Contratual antes e depois da alteração introduzida pela Lei 118/2019
O efeito suspensivo automático da decisão de adjudicação é um
dos mecanismos destinados a assegurar a utilidade da sentença[5]. Numa primeira aproximação ao efeito suspensivo automático pode dizer-se que este
opera nas ações de contencioso pré-contratual cujo objeto seja
a impugnação de atos de adjudicação, desde que propostas no
prazo de 10 dias úteis a contar desde a
notificação da adjudicação a todos os concorrentes,
suspendendo-se automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, no caso de
este já ter sido celebrado.
O levantamento do efeito suspensivo só é
possível se a entidade demandada
e os contrainteressados o requererem ao juiz, “alegando que o diferimento da
execução do ato seja gravemente
prejudicial para o interesse público
ou gerador de consequências
lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos”.
O efeito suspensivo automático, era configurado na redação do 103.º-A dada pelo CPTA de 2015 da
seguinte forma: “a
impugnação de atos de adjudicação no âmbito do contencioso pré-contratual urgente faz
suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado”.
Este preceito resultou da transposição da Diretiva nº 2007/66 CE. Marco
Caldeira mostra-se concordante com esta solução e salienta que a mesma já havia sido reclamada pela
Doutrina, porque existe o perigo de se constituir uma situação de facto consumado no caso
de não haver uma suspensão do procedimento pré-contratual, pois, dando-se
o caso de o contrato ser celebrado e executado na pendência da ação, sendo proferida uma
sentença favorável ao autor, dada a
morosidade dos nossos tribunais “já não
haverá qualquer procedimento pré-contratual para retomar nem
qualquer contrato para executar; haverá antes uma impossibilidade de reconstituição da situação atual hipotética em que o autor se
encontraria caso o ato ilegal não
tivesse sido praticado, o que esvazia a tutela primária do autor e o remete para
uma tutela meramente indemnizatória,
secundária face à reparação natural.”[6]
Entendeu
o legislador, no ponto 5.2. do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 214-G/201, que o aspeto mais relevante das alterações que introduziu no CPTA, consistiu no novo artigo 103.º-A, que procedeu à transposição das Diretivas Recursos, e
introduz um efeito suspensivo automático à impugnação dos atos de adjudicação[7].
Esta
solução permitiu superar a falta de tutela jurisdicional que
resultava da postura conservadora da jurisprudência administrativa no que
toca à concessão de providências cautelares pré-contratuais, face ao inflexível entendimento na verificação do preenchimento dos pressupostos legais conducente a
um sistemático indeferimento deste destas providências, levando a um total esvaziamento da utilidade prática da sentença a proferir na ação principal, permitindo invariavelmente a criação de situações de facto consumado e
irreversível e relegando os interessados, fatalmente, para uma
mera tutela indemnizatória[8].
Da redação dada pela lei 118/2019 ao
artigo 103.º- A, decorre que : “1 - As ações de contencioso pré-contratual que tenham por
objeto a impugnação de atos
de adjudicação relativos a procedimentos
aos quais é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 95.º ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º do Código dos Contratos Públicos, desde que propostas
no prazo de 10 dias úteis
contados desde a notificação da
adjudicação a todos os concorrentes, fazem
suspender automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado.”
Podemos,
desde logo, afirmar que com a alteração operada pela Lei n.º 118/2019,
o âmbito de aplicação do efeito suspensivo
automático foi reduzido aos atos de adjudicação relativos a procedimentos aos
quais é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 95.º ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º do Código dos Contratos Públicos, isto é, as ações de impugnação de decisão de adjudicação apenas produzirão o efeito suspensivo “quando
o procedimento pré-contratual
adotado, para a celebração de
contratos de empreitada e concessão de obras públicas, concessão de serviços públicos,
de aquisição ou locação de bens móveis e de aquisição de serviços tenha tido publicidade
internacional e, nestes casos, apenas quando tenha sido apresentada mais
do que uma proposta[9]”.
Sem ser nestes casos, querendo a
suspensão da decisão de adjudicação, o autor tem de requerer
ao Tribunal a adoção de
medidas provisórias, nos termos do artigo
103.º-B, n.º 1. No entanto, este artigo não contém uma solução análoga à do artigo 128.º do CPTA, sendo que, não obstante o requerimento de
adoção de medidas provisórias, mesmo de suspensão de eficácia, a entidade adjudicante
não fica impedida de
prosseguir com a execução do ato
de adjudicação[10], o
que nos leva a concluir que estamos perante uma insuficiência de tutela primária de um sem número de casos que são agora excluídos do âmbito do efeito suspensivo
automático do artigo 103º-A, e apenas poderão vir a ser tutelados com uma
mera tutela secundária,
em sede indemnizatória,
uma vez que já não se garante o efeito útil decorrente do já aludido efeito
suspensivo automático. Estes casos ficam também sujeitos ao questionável critério de decretamento de medidas provisórias, resultante do nº3
do artigo 103º -B, segundo o
qual estas medidas serão
“recusadas quando os danos que resultariam da sua adoção
se mostrem superiores aos que podem resultar da sua não
adoção, sem que tal lesão
possa ser evitada ou atenuada pela adoção
de outras medidas.”.
O
que acabamos de referir acerca da alteração operada pela Lei 118/2019
configura, na nossa opinião, uma violação do direito da união europeia, designadamente da diretiva 2007/66/CE, da qual
decorre um âmbito mais alargado de aplicação do efeito suspensivo, do que aquele que agora resulta
da redação do preceito em análise. Desta diretiva resulta que devem os
Estados-Membros tomar as medidas necessárias para assegurar que nos
processos de adjudicação de contratos as decisões das entidades adjudicantes possam ser objeto de
recursos eficazes, para tal, conforme indica a diretiva é necessário prever um prazo suspensivo mínimo, durante o qual a celebração do contrato seja suspensa[11].
Com
efeito, entendemos que com esta alteração o legislador deu
um passo atrás face à solução que havia consagrado em
2015, perigando a tutela
jurisdicional efetiva prevista no artigo 268º, nº4 da
Constituição da República Portuguesa.
[1] MARIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Lisboa, Almedina 2017, 3ª Ed. pág.
135.
[2] Op. cite. pág. 137.
[3] MARCO CALDEIRA, et. AL., Anteprojeto de Revisão do CPTA e do ETAF em Debate, Lisboa, AAFDL
2014, pág. 164.
[5] MARCO CALDEIRA, op. cite., pág.172.
[7] Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 214-G/201 disponível
em: https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/70423756/details/normal?l=1
[8] Contencioso Pré Contratual, Centro de Estudos
Judiciários disponível em
[9] Duarte Rodrigues Silva, “As Alterações ao Regime de
contencioso Pré contratual”, disponível em: https://www.servulo.com/pt/investigacao-e-conhecimento/As-alteraces-ao-regime-de-contencioso-pre-contratual-do-CPTA/6710/#_ftn1
[10] Duarte Rodrigues Silva, Op. cite.
[11] Vide diretiva n.º 2007/66/CE disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A32007L0066
Comentários
Enviar um comentário