De
maneira a abordar o conceito de inexistência no Direito Administrativo da
melhor forma possível, devemos aqui distinguir a sua concretização no âmbito
das duas principais realidades administrativas que conhecemos: a realidade do
contencioso administrativo e a realidade do procedimento administrativo.
No
âmbito do contencioso administrativo, verificamos que já antes da revisão feita
pelo DL. nº 214-G/2015, de 2/10, era feita uma referência
expressa, no CPTA, à figura da inexistência no âmbito da declaração de
inexistência, autonomizando este tipo de ação enquanto pedido principal, sendo
que na época esta deveria ser deduzida através de uma ação administrativa
especial.
No
contencioso administrativo atual podemos ainda encontrar referências ao
conceito de inexistência no artigo 50º/4 do CPTA, tendo o legislador optado
pela continuação da declaração de inexistência como um tipo de ação
administrativa autónoma, deduzível por qualquer dos sujeitos identificados no
artigo 55º do CPTA.
Não obstante a sua autonomia, as ações de
declaração de inexistência encontram-se enquadradas no âmbito das ações de
impugnação, visto que as consequências da procedência de ambas é a destruição
dos efeitos do ato em concreto. Ainda assim, devemos distinguir estas figuras,
tendo em conta que o fim das ações de impugnação é a anulação ou a declaração
da anulabilidade do ato (artigo 50º/1 do CPTA), ou seja, está em causa a
verificação de requisitos de validade deste, impostos pelo ordenamento
jurídico, enquanto que o fim da declaração de inexistência é, tal como refere a
doutrina[1], o reconhecimento judicial
da existência, num caso concreto, de uma mera aparência de ato, pelo que
estamos aqui perante a verificação, já não de requisitos de validade, mas dos
elementos essenciais que levam a qualificação de um certo ato como ato
administrativo. No que toca a este ponto, podemos mesmo constatar que a própria
jurisprudência distingue estes tipos de ações, desenvolvendo-se no Acórdão do
Proc. 00308/12.2BEMDL, de 15 de Março de 2019, do Tribunal
Central Administrativo do Norte que “as ações com vista à declaração de
inexistência de atos administrativos não são ações de impugnação, porque,
quando não existe ato administrativo, não há objeto a impugnar, mas ações
meramente declarativas ou de simples apreciação às quais, ainda assim, se
apliquem aspetos muito pontuais do regime da impugnação de atos
administrativos, designadamente o respeitante à legitimidade”.
Já na realidade do procedimento
administrativo podemos reparar que não há atualmente referência alguma à figura
da inexistência, não havendo qualquer indício deste conceito no capítulo II do
CPA, que abrange o conjunto das normas que regulam os atos administrativos. Não
obstante, podemos verificar que esta não previsão da inexistência no âmbito do
procedimento administrativo foi uma decisão do legislador, visto que
anteriormente às alterações de 2015, o CPA referia expressamente este conceito,
por exemplo, nos artigos 137º/1 e 139º/1/a).
Sem ignorar o que foi dito relativamente
a previsão da inexistência no CPA “antigo”, podemos observar, no entanto, que essa
versão do código do procedimento administrativo se contradizia no que toca à
autonomização dos atos inexistentes, visto que, ao mesmo tempo que autonomizava
os atos inexistentes dos atos nulos em certas disposições, este estabelecia no
artigo 133º/1 que “São nulos os actos a que falte qualquer dos elementos
essenciais”, ou seja, considerava os pressupostos da inexistência como sendo
pressupostos dos atos nulos.
Como tal, podemos então, de certa
forma, perceber o porquê do legislador, com a revisão realizada através do Decreto-Lei
n.º 4/2015, de 07 de Janeiro, de ter alterado a
previsão das normas constantes do capítulo dedicado aos atos administrativos ao
lhes retirar as referências sobre a inexistência e ao mesmo tempo ao retirar o
próprio pressuposto da inexistência do artigo 133º/1, concluindo que o objetivo
seria a harmonização dos regimes da invalidade e da inexistência, mesmo com o prejuízo
de não prever expressamente este último.
Assim sendo,
podemos considerar que, apesar de o CPA não prever expressamente a figura dos
atos inexistentes, estes são figuras valoradas no âmbito do direito
administrativo, tendo sido optado, por uma questão de harmonia jurídica, que a
sua concretização fosse realizada no quadro do contencioso administrativo.
Bibliografia
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito
Administrativo, Vol. II, 2ª Edição, Almedina
ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo,
3ª Edição, Almedina
CARVALHO, Ana Celeste, A Reforma do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos, in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/fich-pdf/cpa/ana_celeste_carvalho.pdf
Aluno: João Alexandre Pereira Dantas Velosa, nº 26675, 4º ano,
TA, subturma 7
[1]
Diogo Freitas do Amaral,
Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2ª Edição, Almedina e Mário
Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 3ª Edição, Almedina
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