A via de facto e a apropriação irregular no Contencioso Administrativo


A VIA DE FACTO E A APROPRIAÇÃO IRREGULAR NO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO 


A teoria da via de facto, de acordo com a opinião do Professor Doutor Jorge Pação, na mesma linha da doutrina francesa sobre esta temática, caracteriza-se por uma actividade material por parte da Administração em violação, à partida, de um direito de propriedade de um sujeito determinado, sem título legitimador para tal acção. A própria doutrina francesa considerava este tipo de actuação além do foro administrativo, pela alegada falta de legalidade deste tipo de actuação, cabendo, por isso, aos tribunais judiciais julgar este tipo de actuação.

Por outro lado, e fazendo a devida distinção, a apropriação irregular distingue-se da via de facto na medida em que nesta se verifica uma violação de um direito de propriedade, enquanto naquela apenas existe uma ocupação de um bem imóvel passível de indemnização, sem que seja patente uma ilegalidade neste género de actuação.

Ainda sobre definições e distinções de conceitos, as situações de expropriação indirecta diferenciam-se das já mencionadas pela razão de terem como fundamento um interesse público (construção de uma obra pública), pelo que no confronto de interesses prevalece o público, não obstante o facto de serem salvaguardados os direitos e interesses do particular "prejudicado". Esta figura está inclusivamente prevista na Constituição da República Portuguesa, no art. 62º/2, concedendo, sob a responsabilidade pelo sacrifício, um direito a indemnização à parte lesada.

Ora, no que à competência jurisdicional diz respeito, dentro do âmbito de jurisdição, impõe-se, em primeiro lugar,  a alínea a) do art. 4º/1 ETAF, que refere que é da competência dos tribunais administrativos a “tutela de direitos fundamentais, e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais”. O próprio art. 399º CPC exclui da competência dos tribunais judiciais o embargo das "obras do Estado, das demais pessoas colectivas públicas e das entidades concessionárias de obras ou serviços públicos quando, por o litígio se reportar a uma relação jurídico-administrativa, a defesa dos direitos ou interesses lesados se deva efectivar através dos meios previstos na lei de processo administrativo contencioso".

Já a alínea i) do art. 4/1 ETAF vem a esclarecer que é da competência dos tribunais administrativos a "condenação à remoção de situações constituídas em via de facto, sem título que as legitime", não fazendo qualquer referência à apropriação irregular.

No entanto, no entender do Professor Doutor Jorge Pação, e partilhando desta opinião, seguindo uma lógica basilar do Direito Público, nomeadamente em matéria de competências, de que "quem pode o mais, pode o menos", esta alínea pode ser interpretada extensivamente quanto à apropriação irregular, uma vez que a realidade fáctica é a mesma em ambas as situações analisadas. Cabe ainda dentro do âmbito de jurisdição dos tribunais administrativos as situações de apropriação irregular nos termos da alínea o) do mesmo artigo, visto que a relação jurídica em causa encaixa nesta previsão.
Nestes termos, é de concluir que estão dentro do âmbito de jurisdição todas as situações referenciadas e escrutinadas, ao abrigo do art. 4º ETAF, apesar de divergirem entre si quanto aos meios, motivos e consequências das respectivas actuações.




BIBLIOGRAFIA:
- PAÇÃO, Jorge em Comentários ao novo Código do Procedimento Administrativo Volume I (4ª edição). Lisboa: AAFDL, 2018
AROSO DE ALMEIDA, Mário. Manual de Processo Administrativo (3ª edição). Coimbra: Almedina, 2017


Post realizado por Paulo Pena (nº 57032)



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