O mecanismo da seleção de processos com andamento prioritário: principais diferenças relativamente ao contencioso dos procedimentos de massa

I - Introdução

Com a reforma de 2015, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) passou a acolher dois diferentes tipos de “procedimentos de massa”, a saber: a “Seleção de processo com andamento prioritário”, previsto no art. 48.º e o “contencioso dos procedimentos de massa” regulado pelo art. 99.º. Ambos são processos impugnatórios urgentes, embora na sistemática do CPTA o primeiro não esteja inserido no Título III, que regula os processos urgentes, mas, por se entender que deve ter andamento prioritário, foi submetido ao regime dos processos urgentes – cfr. n.º 4 do art. 36.º do CPTA. Já o segundo – “contencioso dos procedimentos em massa” – é considerado como um verdadeiro processo urgente e, por isso, na sistemática do CPTA integra aquele Título.

II - O mecanismo da seleção de processos com andamento prioritário: breve caraterização

O art. 48.º consiste num mecanismo de agilização processual, inspirado no direito espanhol (cfr. artigos 37º, nº 2, e 111º da Lei da jurisdição contencioso-administrativa de 1998), que tem em vista responder a fenómenos de massificação processual que, tal como identifica M. Aroso de Almeida, resultam da “proliferação de decisões da Administração relativas a questões que, por vezes, são comuns a um grande número de interessados”.
Efetivamente, como refere M. Teixeira de Sousa, a teleologia do regime legal é a de favorecer a economia processual, evitando que estejam a correr paralelamente vários processos sobre a mesma questão”. Adicionalmente, o mecanismo permitirá igualmente uma maior uniformização jurisprudencial.
Concretizando, o artigo 48º prevê que, quando sejam intentados mais de dez processos que, embora referidos a diferentes pronúncias da mesma entidade administrativa, digam respeito à mesma relação jurídica material ou, ainda que respeitantes a diferentes relações jurídicas coexistentes em paralelo, sejam susceptíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a situações de facto do mesmo tipo, o presidente do tribunal deve determinar, ouvidas as partes, que seja dado andamento a apenas um ou alguns deles (que neste último caso são apensados num único processo), e se suspenda a tramitação dos demais (nºs 1 e 4). Posteriormente, quando, no processo ou processos seleccionados, seja emitida pronúncia transitada em julgado, as partes nos processos suspensos são imediatamente notificadas da sentença, podendo o autor nesses processos optar, no prazo de 30 dias, por desistir do seu próprio processo ou recorrer da sentença (nº 9).
Mas, para além deste mecanismo, o nosso legislador, na revisão de 2015 consagrou um outro modelo processual para tratar de situações semelhantes mas no exclusivo âmbito dos concursos de pessoal, procedimento de realização de provas e procedimento de recrutamento, que designou por “Contencioso dos procedimentos de massa” – art 99.º -, tendo-lhe atribuído natureza urgente.
Assim, revelar-se-á útil procurar identificar as principais diferenças entre as figuras, de modo a melhor compreender a respetiva relevância no âmbito do contencioso administrativo.

III - Diferenças entre as soluções previstas no artigo 48.º e no artigo 99.º do CPTA

Detetam-se, entre as soluções previstas nos art. 99.º e 48.º do CPTA, várias diferenças, de entre as quais podemos destacar as seguintes:
i) No art. 48.º estão em causa mais de 10 processos; no art. 99.º, o que é determinante do uso da via processual é a declaração – no primeiro processo – de que se trata de um pedido, impugnatório ou condenatório, relativo a um procedimento no qual intervieram mais de 50 pessoas. Ou seja, o primeiro dispositivo consagra um mecanismo de agilização processual que confere urgência a um (ou alguns) processo(s), enquanto o segundo traduz um processo de estabilização rápida de um contencioso consabidamente volumoso, que reconhece urgentes todos os processos apensados e os trata como um único;
ii) No art. 48.º, o presidente do tribunal pondera se há semelhança entre os mais de 10 processos e, assim concluindo, deve determinar a seleção do mais ilustrativo – bem como a apensação de mais alguns cuja análise conjunta seja imprescindível -, ouvidas as partes; no art. 99.º, presume-se a identidade de razões (pelo menos de Direito) e determina-se a apensação obrigatória, sem audição das partes;
iii) No art. 48.º não se encurta o prazo para propositura das ações (por se tratar de pedidos impugnatórios, será de três meses: art. 58.º, n.º 1, al. b) do CPTA); no art. 99.º, reduz-se este pazo a um mês;
iv) No art. 48.º, além da decisão proferida no processo selecionado, verificar-se-ão mais tantas decisões quantos os processos suspensos cujos autores não desistiram dos pedidos até trinta dias após terem sido notificados do trânsito em julgado da decisão no processo selecionado (por decisão, oficiosa do juiz, e extensão dos efeitos do caso julgado); no art. 99.º, há apenas uma decisão proferida nos processos apensados.
Concluindo, podemos afirmar com João Tiago da Silveira que “o mecanismo dos processos em massa previsto no art. 48.º do CPTA não é um tipo de processo específico, mas um instituto processual destinado a ser apicado a tipos de processos já existentes. Por sua vez, o processo de massa urgente previsto nos art. 97.º e 99.º do CPTA é um meio processual autónomo”.

IV – Balanço final

Em suma, verificamos hoje (leia-se, após a reforma de 2015) que a aplicabilidade do mecanismo previsto no art. 48.º parece ter ficado circunscrita, no que se refere aos litígios respeitantes a atos administrativos praticados no âmbito de concursos de pessoal, procedimentos de realização de provas e procedimentos de recrutamento, aos procedimentos deste tipo em que tenham participado 50 ou menos candidatos – para além, naturalmente, dos litígios relativos a atos administrativos praticados em procedimentos de outro tipo que também possam propiciar a multiplicação de litígios cuja apreciação judicial possa depender da aplicação das mesmas normas judiciárias a idênticas situações de facto.
Sublinhe-se que, ao reduzir-se a “fasquia” do art. 48.º para 10 processos (em vez dos 20 da versão do CPTA 2002/2004) e, no art. 99.º, aumentar-se para 50, facilitou-se, por um lado, a absorção, pelo art. 48.º, de alguns casos que, por mera razão numérica – mas não material -, não eram suscetíveis de merecer a agilização; e, por outro lado, dificultou-se o acesso ao processo urgente acolhido pelo art. 99.º, reservando-o para um contencioso mais massificado, que o legislador fixou presuntivamente como aquele no qual participam mais de 50 pessoas, desde que reportado a um dos tipos referenciados no n.º 1 do art. 99.º.

Bibliografia

ALMEIDA, Mário Aroso de. Comentário ao código de processo nos tribunais administrativos. Coimbra: Almedina, 2017.
—. Manual de Processo Administrativo. Coimbra: Almedina, 2016.
BRITO, Wladimir. Lições de Direito Processual Administrativo. Lisboa: Petrony, 2018.
CADILHA, Carlos Fernandes. "A revisão do Código de processo nos Tribunais Administrativos: aspetos inovatórios." in: Comentários à revisão do ETAF e do CPTA, 2016: p. 17 - 39.
SILVEIRA, João Tiago da. "O mecanismo dos processos em massa no contencioso administrativo." in: Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, 2012: p. 431 - 462.
SOUSA, Miguel Teixeira de. "A notificação das partes dos processos suspensos nos processos em massa." in: Cadernos de justiça administrativa, Mar. - Abr. 2009: p. 18 - 30.

Bruno Sintra da Silva,
aluno n.º 57244, subturma 7, turma A, 4.º ano

Comentários