O “Silêncio” da Administração Pública em situações de intimação à prática de acto administrativo e a sua problemática em questões de direitos fundamentais.


O “Silêncio” da Administração Pública em situações de intimação à prática de acto administrativo e a sua problemática em questões de direitos fundamentais.


 De referir, primeiramente, que quando estamos perante situações de acção de condenação à prática de acto administrativo, elas decorrem, não só, da observância de situações lesivas que levaram os particulares a propor essas mesmas acções, como também das situações lesivas para a Administração Pública, que perante casos de violação de direitos fundamentais, como é o caso do ambiente, da saúde, da educação ou mesmo da habitação, não obtêm a mesma resposta prevista nos termos do art. 37.º/3 do CPTA, como obtêm os casos que dizem respeito à condenação de particulares à adopção ou abstenção de comportamentos em acções propostas por outros particulares.

 Importa, no entanto, mencionar a construção histórica por detrás do art. 37.º/3 do CPTA, que se enquadra, como nos enuncia o professor Vasco Pereira da Silva, no âmbito dos pedidos de natureza mista em sede de acção administrativa comum, que o professor enuncia logo o facto de, a norma, do ponto de vista formal, se cingir apenas, a actos de condenação, deixando de parte, os pedidos de simples apreciação ou mesmo de anulação.

 Esta modalidade de acção comum, que tem em vista a intimação para um comportamento, encontrava-se vigente desde a anterior reforma do CPTA, (anteriormente conhecida como Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, mais conhecida por LEPTA) de 1984/1985, na qual dirigida somente aos particulares, (nos termos dos art. 86.º e ss.) era utilizada como meio acessório e não principal e que, no seguimento desta, veio a surgir uma forma especial de intimação, que surgiu no domínio do urbanismo, esta sim já como meio principal e era dirigida contra a Administração (nos termos do art. 111.º e ss. do D.L. n.º 555/99, de 16 de Dezembro).

 No entanto, como foi tratado por vários autores na altura, sendo este meio inovador, tornou-se alvo das mais variadíssimas críticas, não devido àquilo que este novo instrumento permitia fazer, mas sim com aquilo que ele não podia oferecer, e que dizia respeito às limitações impostas, na altura, pelo próprio Contencioso Administrativo, uma vez que este meio cingia-se, exclusivamente, a situações anulatórias por força dos meios processuais vigentes da altura, ou seja, o resultado ou o alcance pretendido com esta forma de intimação era muito restritivo, mas também porque o próprio meio de intimação esbarrava com a esfera de competência das providências cautelares que, na altura era bastante deficitário.

 As críticas apontadas, reportavam-se na altura a fragilidades decorrentes do âmbito de aplicação da intimação. Essas fragilidades diziam respeito à instrumentalidade e falta de autonomia da intimação, uma vez que este meio só podia ser utilizado antes dos meios administrativos e contenciosos com vista à tutela e protecção dos interesses dos particulares em causa. A outra fragilidade decorria, precisamente, desta fragilidade, e prendia-se com o facto de a intimação não poder ser utilizada contra a Administração, mas apenas contra os particulares ou funcionários, pois eram estes os sujeitos da relação controvertida e os direitos em causa que se pretendiam ver tutelados pelo Contencioso Administrativo no que respeitava às normas do decreto-lei anteriormente mencionado, que reportava ao domínio do urbanismo.

 Hoje, apesar de já superadas essas deficiências, continuamos no entanto com um “trauma” que considero que ficou desses tempos, e que se reporta à limitação formal ao nível dos sujeitos do art. 37.º/3, uma vez que se circunscreve, somente, à condenação de particulares à adopção ou abstenção de comportamentos em acções propostas por outros particulares, quando depois temos o art. 109.º/1 do CPTA a reportar-se, precisamente, às situações de decisão de mérito que devam ser impostas à Administração por estarem em causa direitos, liberdades e garantias que se encontram constitucionalmente consagrados como direitos fundamentais na Parte I da constituição (arts. 12.º a 79.º da CRP), «por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar», art. 109.º/1 in fine.

 O número 1 do art. 37.º, pela sua alínea h) já consagra a condenação da Administração ou de particulares, a tomar um determinado comportamento, no entanto essas situações reportam-se apenas a situações que tenham por objecto litígios, e não a situações em que haja violações por parte de particulares sem acto administrativo impugnável, ou seja a situações que não sejam necessariamente de índole jurídica, como nos refere a previsão normativa do 37.º/3 do CPTA. Mais, a intimação por parte de particular contra a Administração, só se encontra efectivamente consagrada nos termos do art. 109.º/1 para além daquela que é dirigida contra o particular, por parte da Administração, como forma de prevenir, através das providências adequadas, situações de condutas lesivas de direitos liberdades e garantias do interessado, art. 109.º/2 do CPTA.

 É evidente, por isso, que não estando em causa, somente, situações de condenação, mas também de simples apreciação ou de natureza constitutiva, por estar em causa direitos fundamentais, que a interpretação que se faz do art. 37.º/3 deve ser mais ampla do que aquela que integralmente nos é permitido retirar da norma. O professor Vasco Pereira da Silva dá o exemplo claro das situações que dizem respeito ao ambiente, que envolve «obrigações e deveres de actuação e de fiscalização a cargo dos poderes públicos, mas em especial da Administração, que tendem a transformar em administrativas a maior parte das relações ambientais», justificando por isso o facto de as relações jurídicas reguladas pelo Contencioso Administrativo e Tributário serem cada vez mais privadas, ou seja, o facto de o art. 37.º/3 se reportar a situações, que em grande parte não são jurídicas, faz com que, dentro do domínio do direito público, se regulem cada vez mais relações direito privado, pelo facto de os direitos fundamentais dos interessados que estão em risco de serem lesados, estarem a ser atraídos pela actuação ou omissão por parte de particulares ou da própria Administração que actuou quando não devia ou absteve-se de actuar quando o devia ter feito.

 É o facto em si de a Administração não ter actuado como devia que leva o particular a agir, tal como refere o professor Mário Aroso de Almeida “Com efeito, a inércia das autoridades administrativas competentes é que coloca o interessado em situação de carência de tutela, constituindo-o na necessidade de recorrer à tutela jurisdicional.” Tal situação, observa-se cada vez mais actualmente.

 Trazendo novamente à colação o tema do ambiente, é cada vez mais notório, a permeabilidade da Administração em deixar passar situações que factualmente lesam não só os direitos de particulares das relações jurídicas tuteladas pelo direito público, mas também dos particulares em geral, uma vez que, perante as alterações climáticas provocadas pela actuação arbitral do homem, deveriam levar a que Administração tivesse uma posição muito mais proactiva daquilo que preventivamente deve regular e fiscalizar, prevenindo que depois o próprio Estado seja chamado a intervir através de indemnizações pelos danos causados aos particulares.

Bibliografia consultada:
ALMEIDA, Mário Aroso de. Manual de Processo Administrativo. Coimbra: Almedina, 2017, 3ª edição, cit., p. 331.
SILVA, Vasco Pereira da. O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise - Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo. Coibra: Almedina, 2016, reimpressão da 2ª edição de 2009;
SILVA, Vasco Pereira da. Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente», Almedina, Coimbra, 2002, cit., p.56.

Aluno: Tomás Lopes, nº 26703, Subturma 7/A

Comentários