Será que as fragilidades do art. 128º ficaram sanadas com a Lei nº118/2019?

O regime especial do efeito suspensivo automático, da execução do ato administrativo

Art. 128º CPTA 

 Será que as fragilidades do preceito ficaram sanadas com a Lei nº118/2019? 


     O instituto dos processos cautelares visa proteger os interesses dos particulares perante a Administração. Permite que, de modo célere e eficiente, se regule os interesses presentes no litigio a fim de garantir justiça. 
 O artigo 128º do Código do Processo dos Tribunais Administrativos (doravante CPTA) visa combater o periculum in mora e consagra o regime especial da proibição de executar o ato administrativo através do mecanismo da suspensão ope legis do ato administrativo. A natureza especial do regime é a suspensão automática, porque na tramitação comum de uma providência cautelar o requerente apenas retirará algum beneficio da sua propositura caso ocorra o deferimento da providencia, por decisão judicial proferida no final do processo cautelar, à luz dos critérios do art. 120.º do CPTA. 

     Apesar de o legislador no Anteprojeto da revisão em 2014, ter chegado a propor uma alteração profunda do art. 128º CPTA, a verdade é que o preceito permaneceu intocado na versão final da revisão do CPTA em 2015 [1]. Esta opção legislativa foi criticada pela doutrina, nomeadamente por se revelar uma solução por vezes desproporcionada aos interesses em jogos, acabando por potenciar litígios e o uso abusivo da suspensão. 

     Deste modo, o art. 128º, nº1 CPTA, na versão de 2015 manteve como regra geral, a proibição de execução do ato administrativo a partir do momento em que ocorria a receção, por parte da entidade administrativa, do duplicado do requerimento cautelar. A parte final do preceito previa uma exceção: a apresentação da resolução fundamentada, enquanto reconhecimento pela entidade pública de que a não execução do ato administrativo seria “gravemente prejudicial para o interesse público”, num prazo de 15 dias. 

   Importa agora, elencar as fragilidades do preceito, de acordo com a doutrina: a dúvida sobre qual o significado da expressão “recebido o duplicado do requerimento”. Na medida em que tratando-se de um conceito que, pela sua indeterminação, transporta consigo uma insegurança jurídica incompatível com a definição exata do momento a partir do qual a Administração se encontra vinculada a não executar o ato administrativo suspendendo, bem como do início da contagem o prazo de 15 dias de que dispõe a Administração Pública para a emissão de resolução fundamentada[2]. - O legislador em 2019 [3], resolveu substituir a expressão “recebido o duplicado do requerimento” para “após a citação” acabando com as duvidas de interpretação. 

   Relativamente ao prazo de 15 dias, e nas palavras de Mário Aroso de Almeida, a “introdução do referido prazo terá sido responsável pela “proliferação” de “resoluções” – muitas vezes, pouco ou nada fundamentadas” [4]  ou seja, muito poucas vezes as resoluções são emitidas de modo fundamentado a demonstrar o dano que, para o interesse publico resultaria do deferimento da providencia cautelar. Outro problema com o prazo estabelecido era de facto a limitação temporal que a Administração detinha para opor-se à providencia dentro desse prazo. Por hipótese, se a Administração não conseguisse encontrar fundamentos em 15 dias deixava de poder opor-se à providencia, portanto, optava por cautela imitir a resolução fundamentada. Este tipo de situações contribuíam para a banalização desde mecanismo. O legislador em 2019 tomou a posição correta e deixou cair a exigência de prazo para a resolução fundamentada. 

    Na Lei nº118/2019, algumas das fragilidades do artigo permanecem. Problemas que, após a revisão de 2015, alguma doutrina já criticava, nomeadamente Fernanda Maças e Jorge Pação. Fala-se neste âmbito, por exemplo, na falta de controlo judicial da resolução fundamentada. Na medida em que, não é possível impugnar diretamente perante o tribunal a resolução fundamentada mas tão só de forma indireta, através do incidente de declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, previsto no nº4. Assim a operatividade da resolução fundamentada não depende pois, de decisão do juiz sobre o seu mérito. 

   Em suma, o legislador perdeu a oportunidade, na revisão de 2015, de sanar os problemas presentes no artigo. Acabou por não acolher a proposta da Comissão de Revisão e manteve os desequilíbrios existentes quanto à admissibilidade do levantamento da proibição de execução do ato pela própria administração, alvo de um controlo necessariamente limitado por parte do tribunal e que não salvaguarda os interesses de todos os interessados. Através da Lei nº118/2019 o legislador aproveitou, e bem, para resolver os problemas acima expostos mas ficaram outros por resolver. É certo que, o regime proposto pela Comissão de Revisão daria mais trabalho à Administração Pública porque, em vez de enviar para o tribunal uma resolução fundamentada genérica de prejuízos (como na prática acontece), teria de demonstrar o dano que da providencia iria resultar para o interesse público. Espera-se que futuramente, o regime seja reequilibrado.



Joana Vieira nº28545



BIBLIOGRAFIA:
Quadros, Fausto de. Breve nótula sobre as providências cautelares na revisão de 2015 do contencioso Administrativo, in, Estudos em homenagem ao professor Doutor António Cândido de Oliveira. Almedina. 2017 pp 261-277.
Maças, Fernanda, artigo em, Comentários à revisão do ETAF e do CPTA. 3ªedição. AAFDL editora. 2017
Projeto da Comissão de revisão ??
Almeida, Mário Aroso de, artigo “realidade e perspetivas”, em, Cadernos de justiça Administrativa. 2012
Almeida, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo. Almedina. 2017

[1] - DL n.º 214-G/2015,  2  de Outubro
[2] - Jorge Pação, Breves notas sobre os regimes especiais de tutelar cautelar no Código de Processo nos Tribunais Administrativos revisto, em, Revista eletrónica de Direito Público. 
[3] - Lei nº 118/2019, 17 de Setembro
[4] -  Art. 128º do CPTA; “realidade e perspetivas”, Cadernos de justiça Administrativa, 2012, p.3


Comentários