A exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral voluntário e a regra do seu conhecimento não-oficioso



  O artigo 209.º da nossa Constituição, ao enunciar as categorias de tribunais que são admitidas na nossa ordem jurídica, refere-se no seu n.º 2 aos tribunais arbitrais. O artigo 212.º n.º 3, tem de ser lido em harmonia com o artigo 209.º n.º 2, para o efeito de se reconhecer a possibilidade da intervenção dos tribunais arbitrais.
  Pretendo refletir sobre a redação do atual artigo 89º do CPTA, mais precisamente do seu n.º 2. Há quem entenda que a exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral voluntário é de conhecimento oficioso. Por outro lado, há quem defenda que a disposição encontra-se formulada de modo demasiado abrangente sendo a referida exceção de conhecimento não-oficioso.
  No sentido da oficiosidade, podemos dizer que, apesar dos artigos 97º n.º 1, 99º n.º3 e 578.º CPC excluírem a referida exceção de conhecimento oficioso do tribunal, tendo em conta as regras de subsidiariedade e especialidade que existem entre o CPTA e o CPC, sendo o CPTA especial relativamente ao CPC, podemos concluir que esta exceção é de conhecimento oficioso, tal como as demais exceções.
  No Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 20.03.2015 (Proc. n.º 00442/11.6BEMDL) foi decidido que é por referência ao momento da propositura da ação que o tribunal afere da sua (in)competência para conhecer da ação, de acordo com o artigo 5º do ETAF, e que os elementos de facto e de direito carreados pelo réu em sede de contestação, não tinham qualquer relevância para a determinação da competência do tribunal para conhecer da pretensão do autor. Também no Acórdão do mesmo Tribunal de 4.12.2015 (Proc. n.º 00434/11.5BEMDL) foi tomada uma decisão semelhante, sendo não relevantes os elementos apresentados pelos réu para a determinação da competência do tribunal.
  Por outro lado, temos a própria natureza da exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral voluntário, que não se coaduna com a possibilidade de o tribunal a conhecer de ofício, na medida em que, se aniquilaria a autonomia das partes que preside à celebração de convenções de arbitragem  e que sustenta o recurso à via arbitral. O artigo 5.º n.º 1 da LAV parece apontar decisivamente para a não-oficiosidade, ao estabelecer que o tribunal estadual no qual seja proposta uma ação relativa a uma questão por ela abrangida deve absolver o réu da instância mas apenas quando este o tenha requerido, excluídas as situações da última parte do artigo.
  No Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 11.10.2007 (Proc. n.º 01163/05) foi acordado que um determinado litígio que estava em causa iria ser dirimido por recurso a um tribunal arbitral e é referido neste mesmo acórdão que a convenção de arbitragem é um negócio jurídico que constitui ambas as partes no ónus de preferirem a jurisdição arbitral à jurisdição pública. Enquanto o poder do tribunal público resulta da soberania, o poder do árbitro resulta da vontade das partes no litígio e justifica-se na autonomia privada. Ao admitir a convenção de arbitragem e ao reconhecer-lhe o efeito de subtrair o litígio abrangido por ela da jurisdição pública, a lei estabelece um desvio ao princípio do juiz natural. A decisão do tribunal foi no sentido de que o réu deveria ser absolvido da instância.
  A redação atual do artigo 89.º n.º 2 parece querer dizer que, no processo administrativo, todas as exceções dilatórias são de conhecimento oficioso. Logo, também a exceção dilatória de preterição  de tribunal arbitral voluntário não careceria de invocação por nenhuma das partes. Desde que extraível dos factos do processo, também o juiz a poderia conhecer ex officio. Visando corrigir o enunciado do atual artigo 89.º n.º2 CPTA, que é demasiado abrangente e harmonizando-o com as previsões do CPC e da LAV, o  Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados constituiu um Grupo de Trabalho com o objetivo de refletir sobre a matéria da Arbitragem Administrativa, e foi proposta uma solução com a qual eu tendo a concordar que esclarece deste modo, que também no âmbito  no processo administrativo a exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral voluntário depende, necessariamente, de invocação de alguma das partes.  Se as partes não invocam perante o tribunal estadual  este não pode extrair quaisquer consequências da convenção de arbitragem, continuando o julgamento do litígio perante a jurisdição estadual.

Maria Ana Souto Bessa Júdice Esquível, 4º ano, Subturma 7

Jurisprudência:
·         Acórdão  do Tribunal Central Administrativo Norte de 20-03-2015, Processo n.º 00442/11.6BEMDL;
·         Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 4-12-2015, Processo n.º 00434/11.5BEMDL;
·          Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 11-10-2007, Processo n.º 01163/05.

Bibliografia:

·         CORDEIRO, António Menezes, Tratado da Arbitragem, Coimbra: Almedina, 2015;

·      ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, 3. ª Edição, Almedina, 2017, pp. 203-204;

·         SERRÃO, Tiago, Arbitragem Administrativa: Uma Proposta, Almedina, 2019, pp. 32-35.




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